O seguro de responsabilidade civil para a atividade do árbitro
24/10/2024
O seguro de responsabilidade civil para árbitros é uma forma de proteção financeira que os garantem de reclamações ou ações legais em decorrência da atuação durante um processo de arbitragem [1]. É o seguro direcionado a ajudar a mitigar os riscos e as potenciais responsabilidades enfrentadas pelos árbitros.
O seguro de responsabilidade civil para árbitros pode cobrir uma variedade de situações, como reclamações de negligência profissional, erros ou omissões, conduta parcial, violação de confidencialidade, atrasos injustificados etc. Pode incluir os custos de defesa legal, indenizações por danos e outras despesas associadas às reclamações.
Embora esteja presente em outros países, como, por exemplo, a Espanha, essa modalidade de seguro profissional ainda é pouco difundida no Brasil, mas tem ganhado relevância a judicialização da arbitragem [2].
O cenário internacional: a experiência espanhola
Na Espanha, a responsabilidade civil do árbitro durante o processo de arbitragem requer proteção, pois pode ele ser responsabilizado civilmente caso não cumpra suas obrigações e cause danos ou prejuízos.
O artigo 21º da Lei de Arbitragem espanhola (Lei 60/2003) estabelece que os árbitros e, quando aplicável, a instituição arbitral, devem cumprir fielmente sua função, sendo responsáveis pelos danos e prejuízos causados por má-fé, temeridade ou dolo caso não o façam. Determina, ainda que, nas arbitragens confiadas a uma instituição, a parte prejudicada terá ação direta contra aquela, independentemente das ações de compensação que possam ser movidas contra os árbitros.
Em 2011 houve uma modificação da Lei de Arbitragem espanhola (Lei 11/2011, de 20 de maio), a fim de tornar obrigatória a contratação de seguro de responsabilidade civil para a atividade do árbitro. O § 2º, do artigo 21.1, da Lei 60/2003, determinou a obrigatoriedade dos árbitros e instituições arbitrais de contratarem um seguro de responsabilidade civil para cobrir as responsabilidades que possam advir das suas ações [3].
Em outras palavras, determina a legislação espanhola que os profissionais de arbitragem precisam contratar um seguro de responsabilidade civil ou, alternativamente, embora menos comum, ter uma garantia (depósito, apólice de fiança, garantia bancária ou aval) para lidar com possíveis reclamações.
O objetivo dessa determinação é garantir aos árbitros, ou às instituições arbitrais, o risco patrimonial que poderiam assumir diante de um sinistro, proteger os usuários da arbitragem e evitar que os árbitros se recusem a realizar arbitragens, pelo medo de processos civis [4].
Desafios e perspectivas do seguro de responsabilidade civil para árbitros no Brasil
No Brasil, o seguro de responsabilidade civil profissional também é uma opção para árbitros que desejam se proteger contra possíveis reclamações e processos judiciais decorrentes de suas atividades profissionais, contudo, não é um seguro comum.
Embora o seguro de responsabilidade civil profissional para advogados e escritórios de advocacia seja comum, nota-se, no Brasil, que as seguradoras não têm um “produto de prateleira” para a atividade de árbitro. A contratação é realizada de forma customizada e ainda é pouco difundida.
Não se observa, por enquanto, interesse do órgão regulador (Susep) na regulação desse seguro, diante do pequeno volume de contratações.
Ao que se verifica na prática, a contratação de um seguro de responsabilidade civil, que garanta a função do árbitro, é feita por meio de uma cláusula particular, na qual é indicada a prestação de serviços jurídicos do segurado, englobando a atuação do advogado como árbitro.
Normalmente é um seguro de responsabilidade civil profissional para sociedade de advogados, com uma cláusula particular abarcando a atividade de árbitro para os sócios ou integrantes do escritório de advocacia. Não existe um produto específico para a atividade, como ocorre na Espanha.
As condições de contratação são as mesmas do seguro de responsabilidade civil profissional (E&O). Não há uma disposição específica em condições gerais a respeito da atividade de árbitro. Caso o árbitro não seja advogado, pode ser contratada uma cobertura específica no seguro de responsabilidade civil do profissional, por exemplo, para um engenheiro.
O corretor de seguros, quando da contratação, deve solicitar esclarecimentos à seguradora sobre o objeto contratual (por exemplo, o que seria considerado “falha profissional” do árbitro para a seguradora), a fim de evitar problemas de cobertura, quando da ocorrência do sinistro.
A subscrição do risco, nesses casos, não é simples. Há seguradoras que fazem a contratação apenas “via corporate”, ou seja, por pessoa jurídica e a aceitação dependerá do valor do faturamento do profissional.
As seguradoras têm dificuldades em estabelecer, de forma, exata, o que configura a falha profissional do árbitro. A avaliação do risco é complexa e feita caso a caso, dependendo da quantidade de procedimentos dos árbitros, valores, se as arbitragens são domésticas ou internacionais etc.
Nota-se que, no mercado, algumas seguradoras têm “restrição de apetite” à contratação dessa modalidade de seguro profissional e outras possuem restrição por conta do contrato de resseguro que as garante, o qual pode proibir a aceitação deste tipo de risco, ante suas peculiaridades.
Ao se adquirir um seguro de responsabilidade civil para árbitros, é importante verificar se a apólice oferece cobertura abrangente para os riscos específicos enfrentados pelos árbitros. Deve se certificar que o limite de responsabilidade definido na apólice seja adequado às possíveis reclamações e danos que podem surgir no exercício da atividade de arbitragem, cujos valores costumam ser elevados. Cabe avaliar o custo do seguro em relação aos benefícios oferecidos, uma vez que, por ser um seguro “customizado”, o prêmio a ser pago costuma ser elevado.
Com relação aos riscos no exterior (processos arbitrais conduzidos fora do Brasil) deve-se, também, considerar, no momento da contratação do seguro, a questão da legislação aplicável, a fim de se evitar descasamentos de cobertura contratual. Na hipótese de aplicação da legislação estrangeira à discussão quanto à responsabilização do árbitro, se a apólice for regida pela legislação nacional, a seguradora eventualmente poderá considerar como causa de exclusão de cobertura, na medida em que não pôde analisar o risco considerando uma legislação desconhecida.
Em conclusão, embora a contratação do seguro de responsabilidade civil para árbitros seja realizada de forma customizada e ainda seja pouco divulgada e comercializada, maior atenção deve ser dada ao tema, face a uma maior judicialização da arbitragem nos últimos anos.
* Esta coluna é produzida pelos professores Ilan Goldberg e Thiago Junqueira, bem como por convidados.
Publicado em ConJur.
[1] A responsabilidade civil do árbitro, em breve apanhado, refere-se à possibilidade de esse ser responsabilizado judicialmente por danos causados às partes envolvidas em um procedimento arbitral em razão de suas decisões. Sobre o tema: LUCAS, Marcus Vinicius Pereira, Responsabilidade Civil do Arbitro. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2018; LEMES, Selma Maria Ferreira. (et al) Dos Árbitros. Aspectos fundamentais da Lei de arbitragem, 1ª Edição, Rio de Janeiro: Forense, 1999; Fernanda Levy, em “Da responsabilidade civil dos árbitros e das instituições arbitrais. In NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério (org.). Responsabilidade Civil – Estudos em homenagem ao Prof. Rui Geraldo Camargo Vianna. São Paulo: Ed. RT, 2009.
[2] Neste sentido, Eduarda M. Chacon Rosas destaca: “Aos 20 anos da lei 9.307/96, o panorama de judicialização da arbitragem é cada vez mais real. A expectativa é que seja uma fase de adaptação, de caráter transitório, rumo à consolidação do instituto dentro do ordenamento jurídico brasileiro. É preciso observar, contudo, que as disputas judiciais a respeito de questões arbitrais nem sempre são recebidas por magistrados e advogados efetivamente preparados para os desafios provenientes da matéria. Se por parte da magistratura está superada a pecha do corporativismo que resultaria da suposta ameaça de competição entre a arbitragem e o Judiciário; falta, de modo geral, mais conhecimento técnico e suporte competente aos advogados subscritores das teses. Estes últimos, que deveriam ajudar a esclarecer os dissensos, não raro levam teorias absurdas ao processo, o que acaba dando vazão a precedentes danosos a ambos: o instituto1 e as partes. (…)” In https://www.migalhas.com.br/depeso/231771/a-judicializacao-da-arbitragem . Acesso em 21/09/2024. No mesmo sentido: Souza, Giselle. Intervenção dos tribunais na arbitragem pode afastar investidores, diz canadense. In https://www.conjur.com.br/2015-dez-10/intervencao-tribunais-arbitragem-afastar-investidores.
[3] “Se exigirá a los árbitros o a las instituciones arbitrales en su nombre la contratación de un seguro de responsabilidad civil o garantía equivalente, en la cuantía que reglamentariamente se establezca. Se exceptúan de la contratación de este seguro o garantía equivalente a las Entidades públicas y a los sistemas arbitrales integrados o dependientes de las Administraciones públicas.”
[4] Neste sentido, Pilar Perales Viscasillas explica que: “(…) la obligatoriedad legal del seguro tiene un fundamento dirigido non solo a garantizar a los árbitros o las instituciones arbitrales el riesgo patrimonial que podrían asumir ante el siniestro, sino que fundamentalmente se dirige a fortalecer la institución arbitral ante sus usuarios, garantizando que el riego patrimonial que se podría derivar de una actuación sancionada legal o contractualmente quedará cubierto. (…) La ratio de la obligatoriedad del seguro se halla, en nuestra opinión, entre otros, en la protección de los perjudicados, esto es, los usuarios del arbitraje su mayoría, con la consiguiente extensión de responsabilidad de los árbitros y de las instituciones arbitrales. Ciertamente que se corre un riesgo: que los árbitros, sobre todo ellos en mayor medida, declinen la realización de tareas arbitrales ante el miedo de las demandas civiles, pues no existe todavía una práctica que avale cuáles puedan ser los límites razonable as en que se moverá la jurisprudencia” In El seguro de responsabilidad civil en el arbitraje. (El seguro de responsabilidad civil de los árbitros y de las instituciones arbitrales). Fundación Mapfre. 2013, p. 252/256.