Tendências para o setor de (res)seguros em 2022 (Parte 1)
20/01/2022
1) Introdução
Nos compromissos do dia a dia, não é fácil a tarefa de reservar um tempo para refletir sobre o que está por vir. Tal mister, porém, é essencial não apenas para preparação contra possíveis obstáculos no caminho, mas também para moldar-se o futuro.
Tendo isso em mente, examinar-se-ão, nesta e na próxima coluna, seis tendências para o setor de (res)seguros em 2022, quais sejam: 2.1) posicionamento mais incisivo do setor para questões ASG; 2.2) surgimento de novas coberturas e modalidades de seguros antes inimagináveis; 2.3) emprego do legal design e do visual law pelos seguradores; 2.4) desenvolvimento do open insurance; 2.5) contratempos com questões de privacidade e proteção de dados dos consumidores de seguros; e 2.6) procura pelo balanceamento entre o avançar da tecnologia e a manutenção do toque humano.
2.1) Posicionamento mais incisivo do setor de (res)seguros para questões ASG
Os consumidores, acionistas e a própria sociedade de uma forma geral têm demandado uma crescente conscientização sobre questões ambientais, sociais e de governança (ASG) por parte das empresas privadas. No Brasil, a novidade é que os órgãos reguladores também estão se movimentando para acelerar esse processo, conforme, no que aqui interessa, o edital Susep, de 6/12/2021, que introduziu em consulta pública (CP n° 44) norma que dispõe sobre requisitos de sustentabilidade a serem observados pelas seguradoras, entidades abertas de previdência complementar, sociedades de capitalização e resseguradores locais[1].
Após definir “riscos de sustentabilidade” como o “conjunto dos riscos climáticos, ambientais e sociais” (artigo 2°, inciso VI), a minuta exige das supervisionadas pela Susep “adotar processos, procedimentos e controles específicos para identificar, avaliar, mensurar, tratar, monitorar e reportar, de forma tempestiva, os riscos de sustentabilidade a que se encontra exposta” (artigo 3°, inciso I). Indo além, o artigo 4º da minuta aponta que “a supervisionada deverá implementar, sempre que pertinente, critérios e procedimentos para precificação e subscrição de riscos, com ou sem imposição de condições especiais, que levem em conta, no mínimo: I – o histórico e comprometimento do cliente no gerenciamento de riscos de sustentabilidade; II – a capacidade e a disposição do cliente em mitigar os riscos de sustentabilidade associados à transação (…)”, e o artigo 14 estipula a necessidade de envio anual de relatório de sustentabilidade por parte das supervisionadas à autarquia.
De igual sorte, são dignos de realce, a necessidade de que sejam implementados “critérios e procedimentos para seleção de fornecedores e prestadores de serviços que levem em consideração suas exposições aos riscos de sustentabilidade” (artigo 6°), bem como que haja uma seleção de investimentos pelas supervisionadas, que deverão levar em conta a adoção de “boas práticas de governança corporativa por parte dos emissores dos ativos” e a “exposições dos ativos e/ou de seus emissores a riscos de sustentabilidade” (artigo 5º, inciso I).
A circular ora em consulta pública endereça vários pontos importantes relacionados a práticas ASG. Mesmo que a Susep demore para convertê-la em normativo, na esteira do que se afirmou em outra sede, “a agenda de sustentabilidade, agora, é uma das prioridades estratégicas para muitas seguradoras que se mostram comprometidas para além de seus produtos e serviços, investimentos e gestão de risco, pautando suas deliberações com base na responsabilidade social corporativa, o que as consolida como uma voz de liderança em ameaças ecossistêmicas e mitigação dos riscos em particular”[2].
Para além da métrica financeira, em 2022 e nos próximos anos, o setor de seguros deverá reforçar a adoção de boas práticas de governança corporativa, atentando-se aos impactos sociais e ambientais na tomada de decisões [3]. Essa saída, no médio e longo prazo, curiosamente gerará melhores resultados — inclusive financeiros — para a sociedade e as (res)seguradoras.
2.2) Surgimento de novas coberturas e modalidades de seguros antes inimagináveis
Na posição de destacado instrumento de proteção dos segurados, o setor de seguros acompanha passo a passo o desenvolvimento da sociedade. Se, por exemplo, os seguros marítimos floresceram a partir do período das grandes navegações do século 14, a industrialização que marcou os séculos seguintes ampliou consideravelmente os seguros terrestres (e.g., os seguros de incêndio e de responsabilidade civil), a sociedade da informação ora vivenciada tem colaborado para que os seguros cibernéticos sejam cada vez mais vitais.
Algumas modalidades securitárias inéditas igualmente retratam as características de nosso tempo. Considere-se, por exemplo, o fato de a geração Z (pessoas nascidas a partir de 1996) estar adquirindo consideravelmente menos carros próprios do que as gerações anteriores. Por que não oferecer um seguro de automóvel vinculado à CNH do condutor, e não a um carro específico? Foi o que uma seguradora brasileira fez em junho de 2021, ao criar o primeiro seguro de responsabilidade civil para condutores de veículos automotores no país [4].
Sem a pretensão de mencionar as diversas modalidades de seguros que estão surgindo, pode ser recordado, à guisa de ilustração, o seguro de operações de M&A (Seguro Garantia para Substituição de Conta Escrow) [5]. São também merecedores de destaques novas coberturas, como a “cobertura PIX” — que pode ser contratada de maneira autônoma ou no âmbito dos seguros “bolsa protegida”, “perda e roubo de cartão” e “proteção de eletrônico”[6].
A presença concomitante de um legítimo interesse segurável por parte do tomador do seguro e do apetite ao risco pelo segurador afigura-se o primeiro passo para a criação de novas modalidades de seguros. Por vezes, o segundo elemento demora um pouco mais do que o recomendável, conforme tem ocorrido com os seguros para os ativos digitais únicos — cuja titularidade é registrada em blockchain — chamados tokens não fungíveis (NFTs) [7].
Embora o surgimento de novas coberturas e tipos de seguros possa ser sempre esperado, particularmente em 2022, diante da flexibilização da regulação dos seguros feita pela Susep e do progresso tecnológico ocorridos nos últimos anos, é provável que os consumidores passem a ter à sua disposição modalidades securitárias antes inimagináveis. Para que os segurados sejam capazes de bem compreendê-las, porém, os seguradores terão que se atentar para a tendência do setor apontada a seguir.
2.3) Emprego do legal design e do visual law pelos seguradores
Afigura-se antigo o clamor de diversos players do mercado pela simplificação do linguajar securitário a fim de torná-lo mais acessível a pessoas não especializadas, ou seja, à maioria dos consumidores de seguros. De igual sorte, a extensão das apólices e até mesmo as supostas letras miúdas utilizadas pelos seguradores (o que, em regra, não é verdade no Brasil) [8] costumam ser alvo de críticas aqui e ali.
Há quem chegue ao limite de afirmar que os consumidores não têm tempo de ler as apólices ou sequer vontade de aprender termos como prêmio, regulação de sinistro, franquia, entre outros, de modo que caberia aos seguradores simplesmente considerar as expectativas razoáveis dos consumidores como fator objetivo de atribuição de cobertura. Essa, todavia, não é a melhor solução.
A constatação de que o aprimoramento da experiência do consumidor na aquisição do seguro requer a efetiva compreensão sobre o que ele está adquirindo, especialmente quais sãos os seus direitos e deveres, deve vir acompanhada da preocupação de se criar maneiras para se atingir tal objetivo sem a perda da segurança jurídica e a exposição exagerada do segurador — que, à luz do artigo 757, c/c artigo 760, do CC, deve cobrir riscos predeterminados dispostos na apólice.
Explica-se: ao mesmo tempo que a carência de informação essencial prejudica a autonomia privada e a equivalência das prestações, há certo consenso atualmente no sentido de que o excesso de informação gera ruído e desinformação. É nessa corda bamba que o segurador tem de se equilibrar, máxime diante das decisões do STJ acerca da amplitude do seu dever de informar [9].
A busca por parte do segurador pelo fino equilíbrio entre a falta de provisão de informação essencial e o excesso de informação desnecessária ao consumidor terá, em 2022, um grande aliado: o legal design e, como sua submodalidade, o visual law.
Não se pretende recordar as definições desses conceitos, tampouco o seu amplo campo de atuação [10], mas afirmar que, com uma linguagem clara e objetiva, e o suporte de imagens e infográficos, mensagens complexas podem ser mais facilmente compreendidas pelo receptor. O abandono de um certo preconceito de juristas tradicionais, muito em virtude da má compreensão do tema [11], será essencial para o alcance de soluções comunicativas mais empáticas, tendo como foco o ser humano/consumidor.
Convém sublinhar, todavia, que, paralelamente à conscientização das companhias e dos próprios advogados, a magistratura também deverá evoluir, de modo a considerar essa nova forma de transmissão de informação juridicamente capaz de adimplir a não rara alta carga de provimento de informação inerente ao segurador.
Dito de outra maneira, o provável e benfazejo aumento do emprego do legal design deve vir acompanhado pela reflexão de como fazê-lo sem desequilibrar a balança, isto é, garantindo a segurança jurídica tanto ao segurador quanto ao consumidor.
É bom que se deixe claro, porém, que, mesmo com o seu uso, na maioria dos casos não será possível elaborar apólices com poucas páginas. Os contratos de seguro são complexos, e o provimento das informações elementares, sem perder a minimamente necessária precisão técnica, não se coaduna com essa parca extensão.
Em uma sentença: técnicas de legal design e visual law são bem-vindas, devem ser cada vez mais aplicadas em 2022 e podem auxiliar o desenvolvimento do setor de seguros, mas elas não são a panaceia, ao contrário do que alguns estudiosos da matéria parecem sugerir.
Continua na parte 2
Publicado por Conjur
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[1] Na exposição de motivos da norma, pode-se ler o seguinte trecho: “Vale destacar que a indústria de seguros, tanto na qualidade de gestora/tomadora de riscos, como na qualidade de investidora, desempenha um importante papel na promoção do desenvolvimento econômico e social sustentável, especialmente quando considerada sua qualificação para realizar avaliação e precificação de riscos (…). Busca-se, com a edição do normativo proposto, chamar a atenção para os riscos de sustentabilidade (riscos ASG, com destaque para os riscos climáticos), de forma a assegurar sua efetiva integração no processo de gestão de riscos das supervisionadas”. Disponível em: http://www.susep.gov.br/setores-susep/seger/exposicao-de-motivos-cp-no-44-2021.pdf.
[2] GUTEMBERG, Gabriella; JUNQUEIRA, Thiago. Meio ambiente e setor de seguros. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/meio-ambiente-e-setor-de-seguros-04052021.
[3] “Be it a discount on motor insurance of electric vehicles or providing protection on wind and solar energy, insurers are participating in actions targeted at combatting climate change. The systemic nature of climate risk makes the need for global collaboration among insurers indispensable.” BLANC, Marina Le. What’s next for the insurance sector in 2022. Disponível em: https://think.ing.com/articles/insurance-sector-outlook-2022-whats-next.
[4] Revista Apólice. Chega ao mercado o primeiro seguro vinculado à CNH no Brasil. Disponível em: https://www.revistaapolice.com.br/2021/06/chega-ao-mercado-o-primeiro-seguro-vinculado-a-cnh-no-brasil/.
[5] MIRANDA, Claudio; JUNQUEIRA, Thiago. Novo seguro nas operações de M&A? Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-set-02/seguros-contemporaneos-seguro-operacoes-ma.
[6] “Esta nova modalidade contempla cobertura para roubo, subtração com evidência ou coação em transferências de dinheiro não autorizadas”. Revista Apólice. Generali lança Cobertura Pix para indenizar transações não autorizadas. (https://www.revistaapolice.com.br/2021/12/generali-lanca-cobertura-pix-para-indenizar-transacoes-nao-autorizadas/).
[7] “A despeito da existência das insurtechs, que possuem um componente tecnológico forte e característico, ainda é rarefeita a cobertura específica para NFTs. A hesitação do mercado em subscrever esses riscos tem muito a ver com o desafio de compreendê-los e de obter a informação correta para ter a segurança necessária em prover-lhes cobertura.” NOVAES, Anthony; FEIGELSON, Bruno. NFT, seguros e omniverso. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/regulacao-e-novas-tecnologias/protecao-nft-seguros-omniverso-25122021.
[8] Conforme, por todos, o artigo 54, § 3° do CDC, que estipula a necessidade do uso de fonte não inferior ao corpo doze nos contratos de adesão.
[9] V.g., “O consumidor tem direito a informação plena do objeto do contrato, e não só uma clareza física das cláusulas limitativas, pelo simples destaque destas, mas, essencialmente, clareza semântica, com um significado homogêneo dessas cláusulas, as quais deverão estar ábditos a ambiguidade”. STJ, REsp 1.837.434/SP. Rel. ministra Nancy Andrighi. 3ª Turma. DJe 5/12/2019.
[10] “No que respeita aos seguros, a comunicação visual de aspectos jurídicos pode abranger: 1) litígios, ao demonstrar fatos de forma clara e construir argumentos sólidos; 2) transações, na redação de contratos e acordos claros e concisos e de fácil execução; 3) regulamentação, ajudando o poder público a editar normas e regras às quais as pessoas e empresas podem aderir eficientemente; e 4) documentos variados, a exemplo das apólices, cuja extensão pode ser limitada ao estritamente necessário.” NOVAES, Anthony. Legal design e seguros: todo consumidor importa. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/regulacao-e-novas-tecnologias/legal-design-e-seguros-todo-consumidor-importa-04122021.
[11] “(…) É urgente abandonar a ideia de que legal design e visual law são ferramentas meramente estéticas, derivadas dos memes e dos emojis. Tal pensamento refreia algo que, se bem aplicado, apenas acrescenta, democratiza e expande o Direito.” MELO, Victor. Você já usou legal design e nem sabe disso. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jun-14/melo-voce-usou-legal-design-nem-sabe-disso.