TRIBUNAIS AUTORIZAM PENHORA DE VALORES DE SEGURO DE VIDA

31/08/2023

Alguns dos principais tribunais do país têm decidido, cada vez mais, pela penhora parcial ou total de indenizações fruto de seguros de vida para a quitação de dívidas reconhecidas pela Justiça. Levantamento realizado pelo escritório Chalfin, Goldberg & Vainboim aponta uma tendência de mudança do entendimento, desfavorável aos segurados, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior do Trabalho (TST), Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e do Rio de Janeiro (TJRJ).

Das 36 decisões analisadas, proferidas entre 2011 e 2023, 22 são a favor da penhora total ou parcial de valores, enquanto apenas 14 pela impenhorabilidade. A principal modalidade atingida é a dos seguros resgatáveis – que permitem ao segurado resgatar parte ou todo capital durante a vida, mesmo que não ocorra nenhum evento coberto pelo seguro, como morte ou invalidez.

A discussão é relevante porque, ao menos desde 2018, registra-se crescimento anual na arrecadação referente a planos de risco para a cobertura de pessoas – que englobam seguro de vida, acidente, funeral etc -, de acordo com a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg). Para efeito de comparação, se naquele ano foram arrecadados R$ 41,5 bilhões, em 2022 esse montante subiu para R$ 60,4 bilhões.

Segundo o advogado Thiago Junqueira, que liderou o levantamento realizado pelo escritório, aumentou o número de decisões divergentes, o que reduz a segurança jurídica nesse mercado. “Isso obviamente influencia na hora de se precificar o seguro porque, geralmente, o juiz oficia a seguradora e ela cumpre a determinação judicial”, afirma.

Principalmente na Justiça do Trabalho, “há relativização total da impenhorabilidade”, diz Junqueira. Já na Justiça comum, de acordo com o levantamento jurisprudencial, a maioria das decisões é pela impenhorabilidade e, quando a penhora acontece, o mais comum é ser parcial.

No caso de penhora parcial, muitos magistrados têm entendido que só pode ser penhorado o valor que exceder a 40 salários mínimos (R$ 52,8 mil). É aplicado, nesses casos, o artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil (CPC). O dispositivo estabelece que “é impenhorável a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 salários-mínimos”.

Contudo, para Junqueira, “em termos legais, não há espaço para dúvida: o seguro é impenhorável”. Ele argumenta com base no artigo 794 do Código Civil (CC), que diz: “No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito”.

Outro forte argumento a favor da impenhorabilidade do seguro de vida, segundo o advogado, é o caráter alimentar da verba. “Esse tipo de seguro não visa mera capitalização do dinheiro, mas a subsistência do beneficiário dependente.”

De acordo com Bárbara Bassani, sócia na área de seguros e resseguros do TozziniFreire Advogados, essa relativização pelo Judiciário da impenhorabilidade do seguro tem ocorrido em razão de qualquer tipo de dívida – decorrente de uma compra, verbas trabalhistas, entre outras categorias. “Mas, geralmente, esse tipo de penhora só acontece quando o devedor não tem mais nenhum outro bem para quitar o devido, além do valor do seguro”, diz.

“Medida pode ser mais eficiente do que restrição de passaporte e CNH”
— Bárbara Bassani

Se o penhorado é o titular da apólice, mas não é o beneficiário do seguro, afirma a advogada, esse valor jamais será incorporado por ele e, assim, na prática, não se sujeitará à penhora. “Agora, se o penhorado é o segurado e o valor já está na conta bancária dele por causa de uma invalidez, diversos juízes entendem que pode ser feita a penhora do montante que for superior a 40 salários mínimos”, diz. “Preservando o que seria necessário à subsistência”, conclui.

Embora Bárbara defenda que o seguro é impenhorável, com base no Código Civil, ela reconhece que essa medida pode ser mais eficiente do que ordem judicial para restrição de passaporte e Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do devedor. “A restrição de passaporte e CNH pressiona o pagamento, mas não resolve o problema do credor, que quer colocar a mão no dinheiro.”

Para Raphael Donato, sócio do TAGD Advogados e especialista em direito securitário, deverá prevalecer a tese da penhora parcial. “Como os últimos precedentes do STJ foram todos no sentido de autorizar a penhora a partir de 40 salários mínimos, à medida que as decisões dos tribunais de justiça, hoje divergentes, subirem para a Corte superior, deverá prevalecer o seu entendimento”, afirma.

Recentemente, a 3ª Turma do STJ, por unanimidade, decidiu que “o artigo 833, inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015 põe a salvo da constrição judicial as quantias recebidas por mera liberalidade de terceiros [seguro], desde que destinadas ao sustento mínimo do devedor e de sua família, mas a impenhorabilidade desses valores está limitada ao montante de 40 salários mínimos” (REsp 1919998/PR).

Donato lembra, contudo, que não há ainda decisão do STJ sobre o tema em recurso repetitivo, o que orientaria as instâncias inferiores do Judiciário. “Mas conforme for chegando à Corte um volume significativo de processos, um repetitivo poderá ser julgado.”

A discussão ainda pode alcançar, segundo o advogado, o Supremo Tribunal Federal (STF). “Provavelmente quando relacionarem a penhora do seguro à violação dos direitos e garantias fundamentais do artigo 5º da Constituição, o STF poderá entender ser necessário apreciar o assunto”, diz. “Também não me surpreenderia se o Supremo analisar a questão com base na tese do mínimo

Publicado em Valor Econômico

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