Receita diz que instituições financeiras não precisarão recolher IOF retroativo
Para contribuintes, a situação ainda é estudada, informou o Fisco
A Receita Federal tirou a obrigatoriedade de recolhimento retroativo do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) por parte das instituições financeiras e demais responsáveis tributários que não fizeram tal provisão durante o vácuo legal do decreto presidencial.
Segundo advogados ouvidos pelo Valor, há o risco de a responsabilidade recair sobre o contribuinte que fez alguma operação fora das novas alíquotas até o último desfecho pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na quarta-feira.
Houve um hiato entre a publicação do texto revisado pelo Executivo, em 11 de junho, a derrubada pelo Legislativo, em 27 de junho, até Moraes bater o martelo restabelecendo o projeto do governo. Na avaliação da constitucionalidade, ele excluiu apenas a taxação sobre a antecipação de recebíveis, o chamado “risco sacado”.
Não se sabe ainda como vai ser feito o acerto de contas com o Fisco. A Receita avisou que vai se manifestar “oportunamente, buscando evitar surpresa e insegurança jurídica na aplicação da lei”. O Valor apurou que a intenção do Fisco é encontrar uma saída para não penalizar o contribuinte, com a possibilidade de não haver nenhum tipo de cobrança retroativa.
“A cobrança retroativa não é fácil porque não é responsabilidade das instituições financeiras, ou da entidade de previdência privada, no caso do VGBL, fazer esse recolhimento. Cada pessoa física ou jurídica que realizou uma operação sujeita à alíquota majorada pelo decreto restabelecido pelo STF teria que fazer o autorrecolhimento do IOF/Crédito, IOF/Câmbio ou IOF/Seguros devido”, diz Ana Cláudia Utumi, sócia do Utumi Advogados.
“A Receita não está dispensando os contribuintes, apenas os responsáveis tributários. O que o texto diz é que esses responsáveis não têm obrigação de fazer o recolhimento retroativo”, prossegue.
A decisão do ministro potencialmente traz o risco de juros e multa de ofício sobre o período em que o decreto estava suspenso pelo Congresso, acrescenta Pedro Bresciani, também do Utumi. “É uma situação que viola a segurança jurídica”, afirma. “Como o decreto legislativo era a norma vigente, o contribuinte tem a expectativa legítima de que era a norma que valia. Portanto, a cobrança do imposto referente a esse período, ainda mais com a possibilidade de imposição de multa e juros, viola a confiança legítima do contribuinte no ordenamento.”
Para Luís Wulff, executivo-chefe (CEO) do Tax Group, o recomendável é que o contribuinte que não queira passar o aperto de uma fiscalização ou de um auto de infração faça a autodeclaração dos valores que deveriam ser retidos.
No caso da cobrança do IOF sobre operações de risco sacado — único ponto derrubado pelo ministro —, fontes do governo afirmam que haverá restituição aos contribuintes.
Ele espera que a Receita Federal “tenha o bom senso” de abrir prazo para a autorregulação e forneça mecanismos de cálculo para o contribuinte fazer o acerto. Por mais que a retroatividade possa ser revista na votação do plenário do STF, por ora é esta regra que está valendo, diz Wulff.
O fato de a própria Receita não dar pistas de como vai executar a cobrança de milhares de operações feitas durante as discussões mostra que o próprio governo carece de organização operacional para isso, observa o CEO do Tax Group. “Precisaria ter acesso a todos as movimentações financeiras no Brasil realizadas nesse período sujeitas à nova taxação, são dados que estão com as instituições.”
O advogado Arthur Mendes Lobo observa que o Supremo precisa modular a decisão sobre o IOF e definir de forma mais clara se a retroatividade também abrange o período que vai de 26 de junho a 16 de julho, quando o aumento do tributo estava suspenso por decisão do Congresso.
Segundo o Ministério da Fazenda, a retirada da incidência de IOF sobre o risco sacado levará a uma perda de arrecadação de R$ 450 milhões este ano e de R$ 3,5 bilhões em 2026. A íntegra do terceiro decreto do governo previa arrecadação R$ 12 bilhões em 2025 com o aumento do IOF e R$ 31 bilhões em 2026.
Em nota divulgada na quarta-feira, o Ministério da Fazenda afirmou que a decisão de Moraes “contribui para a retomada da harmonização entre os Poderes”.
A decisão de Moraes foi precisa, correta, adequada e resolve os questionamentos que haviam sido feitos sobre o texto, segundo Roberto Quiroga, sócio-fundador do Mattos Filho e professor de Direito Tributário da FGV e da USP. No entanto, deixou uma lacuna em relação à retroatividade. “Não há dúvida de que é devido pelo cliente, mas como isso será recolhido? As pessoas físicas não vão saber como fazer”, diz Quiroga.
Na nota oficial, a Receita diz que está avaliando a situação. “Esperamos a manifestação da Receita com mais detalhes.”
Para Quiroga, os demais ministros tendem a manter as determinações feitas por Moraes durante a votação no plenário. “O único questionamento de inconstitucionalidade era em relação ao risco sacado, então a decisão foi correta.”
Aline Bauermeister, sócia do FM/Derraik especialista em direito tributário, afirma que o efeito prático da retroatividade seria a cobrança de juros de mora aplicável desde o vencimento original da obrigação e multa de 0,33% por dia de atraso, limitada a 20%. “No entanto, entendemos que o contribuinte que não efetuou o recolhimento do IOF no período controvertido com base, principalmente, na suspensão dos atos normativos poderá alegar boa-fé e discutir judicialmente.”
Para André Luiz Santos, sócio do escritório Chalfin Goldberg Vainboim Advogados, a decisão de Moraes não resolve a insegurança jurídica que ronda as novas regras do IOF. “Causou surpresa a manutenção do IOF de 5% sobre aportes em planos de previdência privada, sob o argumento de que estes estariam sendo utilizados como fundos de investimentos ou até mesmo abrindo supostas brechas para elisão fiscal”, afirma.
Para o advogado, a situação se assemelha à do risco sacado, já que a incidência de IOF não poderia ser instituída por decreto presidencial, mas sim respeitando o trâmite legislativo previsto na Constituição Federal.
Luiz Eduardo Miranda Rosa, da área tributária do Machado Meyer Advogados, diz que é difícil saber a intenção do ministro Moraes ao adotar o efeito retroativo, mas comenta que ela gerou insegurança ao ser divulgada na noite de quarta-feira. “Normalmente, o contribuinte e o responsável pelo recolhimento do IOF não são a mesma pessoa”, explica.
Mas ele afirma que o comunicado da Receita deu algum alívio ao mercado. “Ao dizer que vai ser manifestar posteriormente em relação ao recolhimento, a Receita dá a entender que o assunto já está sendo encaminhado”, avalia ele.
Além da oneração das operações de crédito, de câmbio e cartões e de um pedágio de 5% que não existia nos aportes de grandes volumes em planos de previdência do tipo VGBL, o decreto presidencial pode abalar a disposição do capital externo de investir no Brasil, diz Wulff. Isso porque na entrada do estrangeiro há um IOF de 0,38%, mas na saída o pedágio sobe para 3,5%. Para as operações em bolsa, permanece a isenção.
Publicado em Valor Econômico
Decisão de Moraes sobre IOF foi correta, mas retroatividade vai gerar discussão, diz professor da USP
“Não há dúvida de que é devido pelo cliente, mas como isso será recolhido? As pessoas físicas não vão saber como fazer”, alerta Roberto Quiroga
A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que restabeleceu o decreto presidencial que aumenta o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em diversas transações, foi precisa, correta, adequada e resolve os questionamentos que haviam sido feitos sobre o texto. No entanto, deixou dúvidas em relação à retroatividade da cobrança que podem gerar discussão. A avaliação é de Roberto Quiroga, sócio-fundador do Mattos Filho e professor de Direito Tributário da FGV e da USP.
Como os bancos estavam impedidos de reter o imposto na fonte quando fizeram a operação, e a própria Receita Federal esclareceu em comunicado hoje que não são obrigados a fazer essa cobrança agora, uma possibilidade seria o Fisco cobrar a diferença diretamente do cliente. “Não há dúvida de que é devido pelo cliente, mas como isso será recolhido? As pessoas físicas não vão saber como fazer”, alerta Quiroga. Na nota oficial, a Receita diz que está avaliando a situação. “Esperamos a manifestação da Receita com mais detalhes.” Procurada pelo Valor, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou que, diante do comunicado da Receita, não vai se manifestar publicamente.
Aline Bauermeister, sócia do FM/Derraik especialista em direito tributário, explica que o efeito prático da retroatividade seria a cobrança de juros de mora aplicável desde o vencimento original da obrigação e multa de 0,33% por dia de atraso, limitada a 20%. “No entanto, entendemos que o contribuinte que não efetuou o recolhimento do IOF no período controvertido com base, principalmente, na suspensão dos atos normativos poderá alegar boa-fé e discutir judicialmente.”
Já André Luiz A. Santos, sócio do escritório Chalfin Goldberg Vainboim Advogados, afirma que a decisão de Moraes não soluciona a insegurança jurídica que ronda as novas regras do IOF. “Causou surpresa a manutenção do IOF de 5% sobre aportes em planos de previdência privada acima de R$ 50 mil, sob o argumento de que estes estariam sendo utilizados como fundos de investimentos ou até mesmo abrindo supostas brechas para elisão fiscal.”
Para o advogado, a situação se assemelha ao risco sacado, já que a incidência de IOF não poderia ser instituída por decreto presidencial, mas sim respeitando o trâmite legislativo previsto na Constituição Federal.
Luiz Eduardo Miranda Rosa, da área tributária da Machado Meyer Advogados, diz que é difícil saber a intenção do ministro Moraes ao adotar o efeito retroativo, mas comenta que ela gerou insegurança ao ser divulgada na noite de quarta-feira. “Normalmente, o contribuinte e o responsável pelo recolhimento do IOF não são a mesma pessoa”, explica.
Mas ele afirma que o comunicado da Receita deu algum alívio ao mercado. “Ao dizer que vai ser manifestar posteriormente em relação ao recolhimento, a Receita dá a entender que o assunto já está sendo encaminhado”, avalia.