A VONTADE DA MAIORIA

29/11/2022

As alterações promovidas nos quóruns de deliberação nas sociedades limitadas não devem ser interpretadas como um cheque em branco dado ao controlador ou grupo de controle da sociedade.

Com a promulgação da Lei nº 14.451, cuja vigência se iniciou no último dia 23 de outubro, começam a valer os novos quóruns para as deliberações de sócios nas sociedades limitadas, com o retorno à prevalência da vontade da maioria, reformando-se os quóruns especiais até então aplicáveis no Código Civil.

Com efeito, o princípio majoritário garante que as deliberações sociais, desde que não violem a lei ou os atos constitutivos da sociedade, sejam decididas por sócios representando mais de metade do capital social, vinculando-se a tais deliberações todos os sócios, ainda que ausentes ou dissidentes.

As alterações nos quóruns de deliberação nas sociedades limitadas não devem ser interpretadas como um cheque em branco.

Com a alteração legislativa, a mudança do contrato social e a aprovação de operações societárias de incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade ou a cessação do estado de liquidação passam a também se sujeitar à decisão da maioria do capital social, não mais dependendo da aprovação de, no mínimo, três quartos do capital social.

Aproxima-se, assim, o cenário das sociedades limitadas ao ambiente corporativo aplicável às sociedades anônimas. Tal inovação tem por efeito impactar, de forma direta, a estrutura de controle societário nas entidades que se organizam sob esse tipo societário: matérias antes restritas à decisão de 75% dos sócios, passam a ser decididas por titulares de 50% das quotas sociais.

Apesar das mudanças, os sócios dissidentes continuam a possuir o direito de recesso, isto é, de se retirar da sociedade por meio da liquidação antecipada de suas quotas, mediante a apuração de haveres, conforme balanço especial a ser levantado dentro do prazo de 30 dias, contados da data da deliberação.

Vale registrar que a lei não trouxe norma de transição a permitir que os pesos e contrapesos das sociedades limitadas em operação fossem reequilibrados, com nova distribuição de poderes ou prerrogativas entre os titulares de participação societária. Houve, tão somente, a previsão da vacatio legis de 30 dias da data de publicação da lei para início de sua eficácia, sem, contudo, tratar do que ocorreria com as previsões estampadas nos atos corporativos elaborados sob a vigência da norma anterior.

Ressalte-se o fato de que a sociedade limitada corresponde ao tipo societário mais utilizado no país, adotado, inclusive, por empreendimentos de menor porte, em que a assessoria jurídica de advogados especializados nem sempre é constante e adequada.

Tomando-se por exemplo o Estado do Rio de Janeiro, segundo dados da Junta Comercial, apenas em 2021 foram constituídas 53.862 novas sociedades limitadas, representando quase 80% do total de novas empresas constituídas no Estado (69.452). Nesse universo, tem-se a potencialidade de sociedades limitadas constituídas há pouco mais de um ano sofrerem alteração relevante em seu regime de decisões, passíveis de impactos na estrutura de controle e no resguardo aos interesses de sócios minoritários.

Dentre os efeitos decorrentes, constata-se o potencial incentivo ao sócio titular de mais da metade do capital social em promover a capitalização dessas sociedades, por meio do aumento de capital, conferindo-se ao sócio ou grupo de sócios nesse patamar o direito de decidir sobre tal aumento. Aos sócios minoritários, ainda que titulares de mais de um quarto do capital social, restam as prerrogativas de acompanhar o aumento, ou serem diluídos em suas participações. A depender do percentual desse controlador, mesmo com a diluição de sua participação, em razão da emissão de novas quotas, persistirá seu poder de mando com relação às decisões estratégicas da empresa, ainda que haja uma redução no percentual de suas quotas.

Além disso, a aplicabilidade dos novos quóruns de deliberação poderá não ocorrer de forma automática para toda e qualquer sociedade limitada, posto ser necessário verificar se há previsão de quórum específico para a deliberação de determinada matéria. Se este for o caso, o quórum previsto nos atos societários da empresa permanecerá em vigor, sendo necessário, para aplicar o quórum legal, a prévia alteração dos atos societários da empresa.

Percebe-se, portanto, que a reforma legislativa em questão traz impactos relevantes, para a estrutura de poder da empresa, para os direitos de majoritários e minoritários e, em potencial, para sua governança corporativa, podendo funcionar como gatilho para negócios ou, conforme o caso, conflitos envolvendo a sociedade e seus sócios.

Visando à manutenção de camadas de proteção ao sócio minoritário, o legislador preservou o quórum qualificado pelo voto de titulares de quotas correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social, para a aprovação das contas da administração. Assim, sócios que porventura não participem da eleição de administradores têm a prerrogativa de aprovar, ou não, tais contas, desvinculando-se tal decisão da maioria do capital social que, em boa parte das ocasiões, direcionará a eleição de administradores.

É importante registrar que as alterações promovidas nos quóruns de deliberação nas sociedades limitadas não devem ser interpretadas como um cheque em branco dado ao controlador ou grupo de controle da sociedade, uma vez que os votos dos sócios devem sempre ser pautados no melhor interesse da empresa e do atendimento à sua função socioeconômica.

Isso posto, sobressai a relevância da inovação legislativa, a produzir efeitos para as sociedades limitadas em funcionamento e a serem constituídas no Brasil. Deve, assim, ser objeto de análise cuidadosa por todos os que possuam ou venham a deter quotas de sociedades limitadas no país.

Publicado por Valor Econômico

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