ACORDO CHAMA ATENÇÃO PARA MULTAS ELEVADAS

21/08/2020

A operação costurada entre a Stone e os fundadores da Linx prevê uma multa de “insucesso” que equivale a 10% do valor do negócio. Esse percentual está acima da média tanto do Brasil, quanto dos Estados Unidos.

Dados da consultoria Dealogic mostram que em operações de fusão e aquisição em território americano, em média, essas multas atingem 3,8% do valor da operação – a amostra reúne 4.697 transações realizadas desde 2013. Sobre o Brasil, a Dealogic chega a uma taxa média de 7,4% a partir de 13 operações mapeadas.

Chamadas de “break-up fees”, essas multas existem para que as partes possam ser ressarcidas pelo tempo e custo econômico com assessores legais e financeiros que uma negociação como essas inclui. A ideia é se prevenir contra mudanças regulatórias, vetos de órgãos de concorrência e mudança de opinião no meio do caminho.

A operação Linx e Stone, avaliada em R$ 6 bilhões, prevê multa de R$ 605 milhões, paga pela Linx à Stone se a operação for fechada com um terceiro. Se o Cade não aprovar a operação, é a Stone quem paga esse valor à Linx. Também há multa de R$ 151 milhões (25% dos R$ 605 milhões ou 2,5% da operação) para a Linx no caso de os acionistas desta empresa, de capital disperso, rejeitarem a operação em assembleia. Além disso, se depois dessa negativa a Linx fechar em até 12 meses negócio com uma oferta concorrente, deverá pagar mais R$ 454 milhões à Stone, completando R$ 605 milhões.

Advogados dizem que as “break -up fees” são comuns, mas podem virar um problema se os valores forem altos demais. Os conselheiros independentes da Linx questionaram os valores, conforme ata da reunião que examinou a operação. O documento diz que os assessores da operação deram exemplos, que não ficaram públicos, de que elas estão em linha com o mercado.

Se o valor da multa é alto demais e o conselho aceita isso, pode ser acusado de conduta contrária ao interesse da empresa e dos acionistas. “Isso porque o conselho tem o dever de fechar uma proposta melhor, mas se ele for atrás dessa proposta melhor, o ônus para a companhia será muito grande”, explica um advogado.

Multas para a não aprovação de acionistas em assembleia ainda são pouco comuns no Brasil, já que a maioria das empresas tem controlador. Mas no caso de uma empresa de capital disperso como a Linx, advogados dizem que quando aadministração assume essa multa, a discussão passa a ser se isso não equivale ao conselho dispor sobre o ato do acionista, que deve ter liberdade para tomar a decisão.

“Quando a administração pactua um valor tão elevado para desistência da operação, de certa forma, está restringindo a possibilidade de os acionistas não seguirem com a operação”, afirma João Pedro Barroso do Nascimento, sócio do Freitas Leite Advogados. Ele reforça que, no Brasil, o poder/dever de aprovar uma operação como esta, pela lei, é do acionista. “Nos Estados Unidos, o poder da administração é maior”, afirma.

Em geral, os administradores nos EUA têm mais poder por dois motivos. Primeiro, por que como o capital das empresas é muito mais disperso, eles ficam mais relevantes. Segundo, porque esses modelos não nascem na lei, como ocorre no Brasil. Vão aparecendo e as competências são definidas com o tempo em que a estrutura de capital e empresarial vai se formando.

Claudio Miranda, sócio do CGV Advogados, diz que uma maneira de o conselho se resguardar seria abrir espaço para outras propostas antes de recomendar o tema aos acionistas. “Mas ele teria de negociar o afastamento ou a redução da multa para deixar os acionistas mais livres para decidir. Não sei se seria possível, diante das peculiaridades da operação”, afirma Miranda. Para ele, opinar sobre o valor da multa em si é muito difícil. “Se a penalidade for aplicada, o tema deverá suscitar disputa judicial ou arbitral, que vai tratar do cabimento da multa e das bases para sua fixação ou proporcionalidade”, diz. A Totvs, que fez uma oferta concorrente à da Stone, já afirmou que pretende contestar a multa. Multas relacionadas a decisões assembleares estavam na operação entre Avon e Natura, dirigida aos acionistas da Avon, listada no exterior. O valor era de US$ 78,6 milhões, e o negócio foi avaliado em US$ 10 bilhões. No caso de Boeing e Embraer, havia uma multa de US$ 75 milhões se assembleia da Embraer não aprovasse a operação depois de o conselho da Embraer fazer uma mudança de recomendação.

Várias operações no Brasil contaram com “break up fees” sob outras condições. As fusões entre Fibria e Suzano (US$ 14,5 bilhões) e Cetip e BM&FBovespa (US$ 13 bilhões) previam multas de R$ 750 milhões – ambas deram certo. Em 2018, o Ultra pagou R$ 280 milhões à Petrobras depois que o Cade vetou a compra da Liquigas.

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