AINDA LIMITADO NO BRASIL, MERCADO DE SEGUROS SE MODERNIZA PARA TRANSFORMAR POTENCIAL EM APÓLICES

01/11/2023

O Brasil deverá voltar a figurar entre a dez maiores economias do mundo este ano, segundo previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI), mas o seu mercado de seguros — um componente decisivo para o desenvolvimento econômico e a garantia de bem-estar social — ainda não está no mesmo passo.

Quando se fala em valores pagos pelos brasileiros por seguros, o país fica até na 20ª posição em diferentes rankings internacionais do setor. É essa disparidade que operadores do setor (que engloba também previdência e saúde complementar, além de capitalização) querem superar nos próximos anos. A boa notícia é que os passos voltaram a se acelerar após a pandemia.

A indústria de seguros vem crescendo seguidamente no Brasil — em 2023 deve se expandir 9,4% —, mas as empresas do setor enxergam o potencial de avançar num ritmo mais forte e chegar a 2030 com participação de 10% no Produto Interno Bruto (PIB) frente aos pouco mais de 6% atuais.

Se chegar a esse patamar, o Brasil ficara na me dia dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as economias mais desenvolvidas do planeta. No entanto, esse desafio esta inserido em novas circunstâncias que elevam as incertezas que os seguros tentam minimizar.

As mudanças climáticas aumentam as consequências financeiras e sociais de fenômenos imprevisíveis, assim como o envelhecimento da população, emergências sanitárias, instabilidade macroeconômica e geopolítica exigem olhar mais apurado do setor e produtos mais customizados.

— Há uma grande disparidade entre o tamanho da economia e a indústria de seguros brasileira, mas prefiro ver o copo meio cheio: há uma enorme possibilidade de crescimento em seguros de automóveis, habitação, no setor agrícola — diz Alessandro Octaviani, chefe da Superintendência de Seguros Privados (Susep), autarquia do Ministério da Fazenda que é responsável pela regulação do setor. — No caso de veículos, temos mais de 80% da frota brasileira para segurar, e, em área plantada, mais ainda (hoje só 10% da área cultivada é segurada). O Brasil tem um potencial de expandir essa indústria como nenhum outro país.

O superintendente aponta diferentes caminhos para o setor deslanchar. Um é estrutural: é preciso que o brasileiro tenha renda mais alta para investir em seguros. — É consenso que o produto é mais importante para o cidadão que ganha menos e precisa de maior proteção. Nesse sentido, o crescimento sustentável da economia e os programas de inclusão social e estímulo ao emprego ajudam nesse desafio, especialmente no crescimento dos chamados seguros massificados (casa, carro, vida) — diz Octaviani.

E também é preciso que o consumidor tenha confiança no produto, frisa o líder da Susep. Nesse sentido, o novo marco regulatório dos contratos de seguros (PL 29/2017) promete trazer mais segurança ao consumidor, com contratos mais claros a respeito dos pagamento de indenizações ou sobre o que está coberto pela apólice.

O projeto de lei aprovado na Câmara em 2017 está parado no Senado desde então. O texto foi debatido com as entidades que representam o setor recentemente, abrindo caminho para um acordo entre os senadores para a votação. O prazo para que as seguradoras implementem as mudanças será de um ano após a aprovação e sanção. O tema está entre as prioridades da agenda microeconômica do Ministério da Fazenda.

MERCADO COMPETITIVO

Com 131 seguradoras operando no país, o mercado brasileiro é considerado bastante competitivo e vem ampliando a gama de produtos que atendem as mais diferentes demandas da sociedade, tanto para pessoas físicas quanto para empresas. Há seguros para pets, celulares, bicicletas e até bolsas femininas ou contra golpes no Pix.

Há produtos para grupos específicos como gamers interessados em se proteger de hackers que roubam dados ou pontos que equivalem a movimentações financeiras nos jogos. O seguro contra riscos cibernéticos é um dos segmentos que mais vêm crescendo. Neste ano, ultrapassou R$ 130 milhões em prêmios arrecadados até agosto. No mesmo período de 2020, essa cifra foi de R$ 24 milhões. Empresas também encontram apólices customizadas, como as que ajudam a mitigar riscos ambientais de suas atividades.

— Há muita inovação, e as seguradoras estão conectadas com a realidade. Para empresas, por exemplo, há seguros contra ações trabalhistas, que atendem a regras da agenda ESG (da sigla em inglês que engloba as ações ambientais, responsabilidade social e governança das empresas) e ligados ao impacto das mudanças climáticas — diz Dyogo Oliveira, ex-ministro do Planejamento e ex-presidente do BNDES que atualmente é presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg).

Diante da maior frequência de fenômenos climáticos, com alto risco de vida e de significativos danos ao patrimônio de famílias e empresas e à infraestrutura pública, a CNseg apresentou ao Ministério da Integração Nacional e do Desenvolvimento Regional uma proposta que cria o Seguro Obrigatório de Catástrofe, para inundações, alagamentos ou desmoronamentos relacionados a chuvas.

No México e no Japão, por exemplo, há seguros que cobrem equipamentos das cidades, como escolas, hospitais, pontes. Isso ainda não existe no Brasil e pode ser um novo vetor de crescimento do setor. A entidade também elaborou um plano com ações para aumentar em 20% a população atendida por seguros no país, entre elas a melhora da comunicação do setor. O diagnóstico é que muita gente tem dificuldade de entender termos como sinistro ou prêmio. É o seu caso? Veja o glossário abaixo.

NOVAS TENDÊNCIAS

Também há discussões para a formatação de um seguro de vida universal, que mistura características dos produtos de vida convencionais e previdência. A pessoa paga um valor fixo e acumula valores por 20 ou 30 anos. Se há morte no meio desse prazo, o beneficiário recebe um valor. Se não, o segurado resgata o acumulado no fim do período contratado.

Novos formatos, como o seguro peer-to-peer, em que um grupo de pessoas contribui financeiramente para cobrir riscos mutuamente com a gestão de uma empresa de tecnologia de seguros, também devem surgir, preveem especialistas.

A pandemia aumentou a percepção da importância do seguro de saúde. O tema se tornou prioritário para os brasileiros, apontam pesquisas. E a maior longevidade — com a elevação da expectativa de vida no país a 77 anos — reforça a necessidade de preparar a aposentadoria e abre mais espaço para produtos de previdência complementar, que só alcançam 13% da população economicamente ativa no país hoje.

Para crescer, o setor de seguros conta ainda com a tecnologia. A inteligência artificial (AI) se mostra uma ferramenta poderosa para processar dados e desenhar novos produtos de acordo com necessidades cada vez mais específicas. E já está em uso nas seguradoras. Os investimentos em tecnologia do setor devem crescer exponencialmente nos próximos anos, apontam executivos, com novas empresas de br tecnológica nessa área, as chamadas insurtechs.

— Os consumidores também mudaram, estão cada vez mais à procura de seguros personalizados, sob demanda, e fáceis de utilizar e contratar pelos caminhos digitais — diz o advogado Thiago Junqueira, professor de Direito dos Seguros da FGV Rio, que prevê o uso de drones e tecnologias de realidade virtual pelas seguradoras em tarefas como inspeções de propriedades e avaliações remotas de danos.

Para Oliveira, da CNseg, a digitalização ajuda a resolver um dos principais gargalos do setor: a falta de conhecimento sobre os produtos, principalmente nas classes mais baixas. Ele cita, por exemplo, que já existem seguros de vida a partir de R$ 10. E que é possível proteger uma casa avaliada em R$ 500 mil pagando R$ 500 por ano. Com os novos canais de distribuição digitais, que permitem simulações e contratação em aplicativos, esse problema começa a ser resolvido, avalia o dirigente.

Paulo Luiz de Toledo Piza, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro, concorda. E destaca a chegada em breve do Open Insurance, uma plataforma digital que permitirá a troca de informações entre seguradoras e a comparação de seguros no mercado pelos consumidores, o que pode reduzir preços.

Publicado em O Globo

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