Cinco tendências para o setor de seguros brasileiro em 2024

25/01/2024

Com a chegada de um novo ano, é essencial refletir sobre as expectativas e desafios futuros. No setor de seguros, essa reflexão vai além da curiosidade, servindo como uma importante preparação para as iminentes transformações do mercado.

Neste contexto, o presente artigo tem como objetivo apresentar cinco tendências que devem marcar o setor de seguros em 2024 [1].

 1. Democratização dos seguros
De acordo com dados da CNSeg, em 2023 o setor de seguros cresceu mais de 10%, e, em 2024, o crescimento deverá ser superior a 11,5% [2]. Ainda mais impressionantes são os números dos microsseguros, que tiveram um aumento superior a 26% nos sete primeiros meses do último ano [3].

Em um contexto nacional marcado por desigualdades socioeconômicas, a democratização dos seguros surge como uma tendência e uma ferramenta fundamental para garantir que um número maior de indivíduos e empresas tenha acesso a seguros adequados. Esse processo implica em tornar os produtos mais compreensíveis e adaptados às necessidades de uma base de clientes diversificada – abrangendo, para além dos tradicionais segurados, indivíduos de baixa renda e pequenas e médias empresas.

Para alcançar essa democratização, é necessário implementar políticas e práticas inovadoras. Em relação ao primeiro ponto, um dos pilares do Plano de Regulação da Susep para este ano é a instituição de uma “Política Nacional de Acesso ao Seguro” [4].

Contudo, essa iniciativa, por si só, pode não ser suficiente. O fator de impulsão do setor parece estar ligado a práticas inovadoras por parte dos seguradores, com a melhoria da jornada do cliente e o desenvolvimento de produtos mais simples e de baixo custo, que sejam compreensíveis para a população em geral, bem como de produtos especializados para determinadas atividades empresariais.

Além disso, a educação financeira desempenha um papel vital, aumentando a conscientização sobre a importância, os benefícios e as limitações dos seguros. Nesse particular, influenciadores digitais especializados em finanças poderão se juntar aos intermediários e demais players do mercado para ampliar o alcance e a eficácia dessa educação.

O aumento na penetração de seguros não será necessariamente uniforme entre todas as seguradoras. Durante o processo de escolha de uma seguradora, diversos fatores serão considerados, conforme indica a tendência a seguir.

2. Importância dos valores das seguradoras na tomada de decisão de novos investidores e segurado
Nos próximos anos, espera-se uma significativa transferência de capital entre gerações, com os baby boomers passando seus bens para os millennials e a geração Z. O Financial Times estima uma transferência de 100 trilhões de dólares ao longo dos próximos 25 anos [5]. O impacto substancial desta transição no mercado decorre do perfil distintamente orientado por valores da geração receptora desse capital. Ao contrário de seus antecessores, esses herdeiros tendem a alinhar seus investimentos com causas e empresas que refletem suas crenças éticas e sociais [6].

Neste contexto, as seguradoras enfrentam o desafio de adaptar suas estratégias, enfatizando valores sólidos e responsabilidade social para atender às expectativas de novos investidores e consumidores. Além dos fatores tradicionais como preço, qualidade de atendimento, estabilidade financeira e histórico de pagamentos de sinistros, os valores ambientais e sociais das seguradoras passam a ter relevo na tomada de decisão de novos investidores e segurados.

Ao priorizar esses valores, porém, as seguradoras devem estar atentas ao escrutínio sobre as promessas que fazem, reconhecendo que é impossível agradar a todos simultaneamente. Neste cenário, observa-se um movimento recente nos EUA, onde alguns executivos estão substituindo o termo ESG (ASG, em português) por “responsabilidade corporativa”.

Segundo matéria do WSJ: “Muitas empresas não pronunciam mais essas três letras: E-S-G. Depois de anos de reação negativa dos investidores, pressão política e ameaças legais em relação às iniciativas ambientais, sociais e de governança, vários líderes empresariais estão agora fazendo um esforço consciente para evitar o acrônimo outrora amplamente utilizado para essas iniciativas (…). Em vez de declarações grandiosas, os consultores estão dizendo aos CEOs para serem mais precisos e estabelecerem metas que possam ser alcançadas. Recomenda-se dizer o mínimo possível” [7].

É nesse oceano turbulento que as seguradoras terão que navegar. Por um lado, uma parcela considerável da nova geração de investidores e clientes deseja fazer negócios com empresas que compartilhem de seus valores. Por outro, dentro deste grupo, há uma ampla variedade de crenças e valores individuais.

O caminho mais viável, em geral, provavelmente será evitar conotações políticas e buscar um equilíbrio entre mostrar preocupação legítima e evitar idealizações utópicas. O tema é polêmico e vai além deste artigo, mas parece essencial que cada empresa, ao posicionar a sua marca, considere o perfil de seus consumidores e investidores, buscando não os desagradar, a menos que esteja disposta a arcar com as consequências.

 3. Proatividade na prevenção dos riscos por parte do segurador
A reação aos sinistros já não é mais suficiente no mercado de seguros. Reconhecendo a importância da prevenção de incidentes e do aprimoramento da segurança, as seguradoras estão adotando abordagens mais proativas para estimular boas práticas entre seus segurados. Este novo enfoque vai além da tradicional cobertura de danos, promovendo ativamente comportamentos e escolhas que reduzam a probabilidade e a magnitude de sinistros.

Com os avanços tecnológicos, observa-se uma tendência, apontada por alguns autores, de que o seguro está evoluindo do binômio “entender e proteger” para “prever e prevenir” [8]. Um exemplo ilustrativo é o da seguradora britânica Insurethebox. Após analisar todos os sinistros ocorridos em sua carteira, constatou-se que os acidentes automobilísticos geralmente começam quando o segurado sai de casa, muitas vezes dirigindo de forma atípica antes de se envolver em um acidente [9]. Ao perceber esse desvio, a seguradora pode enviar um alerta ao segurado, teoricamente diminuindo a chance de ocorrência de prejuízos para si mesmo, para o segurador e para a sociedade,[10] a exemplo do que já fazem os bancos, atualmente, quando o cliente pretende fazer um Pix de valor fora de seu padrão.

Na implementação dessa estratégia, as seguradoras estão investindo em programas de conscientização sobre segurança e oferecendo incentivos e benefícios para segurados que adotam medidas preventivas. Essas iniciativas incluem descontos para condutores prudentes, incentivos para residências com sistemas de segurança avançados e recompensas para estilos de vida saudáveis. Este novo paradigma reflete uma mudança significativa na forma como o setor opera, enfatizando tanto a prevenção de riscos quanto a reação a eventos inesperados.

Entretanto, a linha que separa um auxílio preventivo de uma intrusão inconveniente é tênue. A presença frequente e a interferência dos seguradores, assemelhando-se a “pais helicópteros” [11],  geram visões divergentes. Enquanto alguns veem vantagens em um “lifestyle coach” [12], outros criticam o que consideram ser um “nudging pessoal em larga escala”, argumentando que o seguro estaria se tornando “menos sobre riscos e mais sobre mudanças de comportamento” [13].

A concretização dessa tendência pelas seguradoras, que pode ser aprimorada pela próxima tendência a ser discutida, deve considerar as ressalvas acima.

4. “Gamificação” dos seguros envolvendo consumidores
A centralidade do cliente no mercado de seguros já se tornou trivial. Atualmente afigura-se necessário ir além desse passo inicial, impelindo as seguradoras a adotarem novas abordagens, incorporando cada vez mais tecnologias emergentes como IA, blockchain, gamificação e internet das coisas (IoT). A convergência dessas tecnologias está impulsionando avanços significativos, transformando a experiência do cliente e redefinindo processos tradicionais.

Neste tópico, pretende-se abordar a gamificação. Segundo a literatura, ela é “a aplicação de elementos e técnicas de jogos (como pontuação e competição) em situações que não são de jogos. Seu objetivo é, em geral, influenciar o comportamento dos consumidores, funcionários ou outros grupos de pessoas que participam do ‘jogo’ e promover um maior engajamento” [14].

De forma lúdica, a gamificação tem começado a gerar impactos no setor de seguros. Por meio de elementos e técnicas de jogos no design de produtos e serviços, ela torna os seguros mais atraentes para os consumidores, incentivando-os a se envolverem ativamente e de forma mais consciente em suas escolhas – e, em muitos casos, promovendo comportamentos que reduzem riscos e o número de sinistros.

A aplicação da gamificação no setor de seguros é multifacetada, abrangendo uma variedade de estratégias para engajar os clientes. Por exemplo, os clientes podem ganhar pontos ou recompensas por ações positivas, como pagar prêmios em dia ou manter um bom histórico de condução. Desafios e metas são estabelecidos para encorajar comportamentos que diminuam riscos, como dirigir com segurança ou adotar um estilo de vida saudável. Além disso, competições e rankings promovem uma disputa saudável entre clientes, incentivando-os a melhorar continuamente seus comportamentos e hábitos. Esses elementos são complementados por feedbacks interativos, que fornecem aos clientes informações instantâneas sobre seu desempenho, similar à experiência em um jogo.

Ao alinhar os interesses das seguradoras e dos segurados de maneira mais dinâmica e interativa, a gamificação tem o potencial de estabelecer uma profunda alteração no setor de seguros. A introdução de narrativas e contextos de jogo adiciona um elemento de envolvimento e interesse, transformando a experiência de seguros massificados em algo mais do que meramente transacional.

5. Melhoria na gestão da apólice pelo segurado nos seguros empresariais
No contexto dos seguros empresariais, a dinâmica entre seguradoras e segurados também deve experimentar uma transformação nos próximos anos, impulsionada por uma mudança proativa no comportamento dos segurados.

Essa evolução se reflete no foco crescente das empresas em gerenciar riscos e explorar oportunidades para obter e manter condições mais favoráveis, priorizando a contratação de coberturas adicionais recomendadas para seu respectivo ramo de atividade e não incorrendo inadvertidamente em hipóteses de perda de direito previstas nas apólices.

De fato, as empresas seguradas estão adotando sistemas internos de gestão de riscos e intensificando a colaboração com corretores e consultores especializados. Isso garante uma compreensão aprofundada das coberturas, condições e limites de suas apólices e a implementação de medidas preventivas mais robustas. Em especial, destaca-se a importância de os segurados executarem bem as ações básicas, como o cumprimento adequado do dever de informação pré-contratual e durante o contrato, o cuidado para não agravar o risco, e a comunicação tempestiva às seguradoras em caso de ocorrência de um sinistro.

Essa postura ativa dos segurados na gestão de suas apólices melhora a transparência e a compreensão mútua com as seguradoras. Isso resulta em relações mais sólidas e vantajosas para ambas as partes, diminuindo a judicialização e influenciando positivamente a precificação do seguro e a personalização das apólices. Adicionalmente, esse envolvimento ativo promove uma cultura de prevenção e responsabilidade compartilhada, contribuindo para um mercado de seguros mais sustentável e equilibrado.


[1] As tendências apontadas nos artigos dos últimos anos não serão repetidas. Sobre o tema, seja consentido remeter a: https://www.conjur.com.br/2021-fev-13/opiniao-cinco-tendencias-setor-resseguros-2021/; e https://www.conjur.com.br/2022-fev-03/seguros-contemporaneos-tendencias-setor-resseguros-2022-parte/.

[2] Cf.: https://cnseg.org.br/noticias/c-nseg-setor-segurador-crescera-acima-de-10-em-2023-e-2024.

[3] Cf.: https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/seguros/noticia/2023/10/31/novo-marco-eleva-a-arrecadacao-de-microseguros.ghtml.

[4] Cf.: https://www.gov.br/susep/pt-br/central-de-conteudos/noticias/2023/novembro/susep-aprova-novo-plano-de-regulacao.

[5] ALIM, Arjun Neil. The transfer of wealth from boomers to ‘zennials’ will reshape the global economy. Disponível em: https://www.ft.com/content/63027e28-724a-40bc-a929-7dec5125926c.

[6] WINES, Jennifer. How Might the Great Wealth Transfer Change Society?. Disponível em https://www.kiplinger.com/retirement/how-might-the-great-wealth-transfer-change-society.

[7] CUTTER, Chip; GLAZER, Emily. The Latest Dirty Word in Corporate America: ESG: Executives switch to alternatives like ‘responsible business’ to describe corporate initiatives. Disponível em: https://www.wsj.com/business/the-latest-dirty-word-in-corporate-america-esg-9c776003. Segundo consta na matéria: “Os investidores retiraram mais de US$ 14 bilhões dos fundos ESG nos primeiros nove meses de 2023, de acordo com a Morningstar. Larry Fink, da BlackRock, escreveu uma carta aos investidores em 2023 que não fazia referência explícita ao ESG, depois que alguns estados retiraram dinheiro em 2022 devido à ênfase da empresa no ESG. Em novembro, a State Street anunciou uma nova política de votação para investidores que talvez não queiram dar tanta ênfase ao ESG. No ano passado, a Fidelity removeu a linguagem que considerava os possíveis impactos de ESG de seu processo de revisão de proxy. Nas divulgações de resultados, as menções a ESG aumentaram constantemente até 2021 e diminuíram desde então, de acordo com uma análise da FactSet. No quarto trimestre de 2021, 155 empresas do S&P 500 mencionaram iniciativas de ESG; no segundo trimestre de 2023, esse número havia caído para 61 menções”. Advirta-se, por oportuno, que as citações diretas originárias de idiomas distintos do português apresentadas neste artigo foram livremente traduzidas pelos autores.

[8] KELLER, Benno. Big Data and Insurance: Implications for Innovation, Competition and Privacy. Zurich: The Geneva Association, 2018. p. 7.

[9] COLLINSON, Patrick. Motoring myths: what ‘black boxes’ reveal about our driving habits. Disponível em: https://www.theguardian.com/money/2017/dec/16/motoring-myths-black-boxes-telematics-insurance.

[10] “Esses efeitos são positivos, não só para segurados e seguradoras, mas também para a sociedade como um todo, pois previnem a ocorrência de danos e promovem a saúde dos segurados”. THOUVENIN, Florent; SUTER, Fabienne; GEORGE, Damian, WEBER, Rolf H. Big Data in the Insurance Industry: Leeway and Limits for Individualising Insurance Contracts. Disponível em: https://www.jipitec.eu/issues/jipitec-10-2-2019/4916.

[11] Cfr. THE ECONOMIST. Risk and reward. Disponível em: https://www.economist.com/finance-and-economics/2015/03/12/risk-and-reward.

[12] “Não mais apenas uma gestora de reclamações ex post. A companhia de seguros torna-se um coach de estilo de vida, e o modelo muda do tradicional, que se centra na prevenção e transmissão de informação sobre riscos, para o de um agente de mudança comportamental, ao lado e próximo das pessoas”. FABRIS, Monica. Survey axa-episteme: gli italiani, il labirinto dei dati e il ruolo del settore assicurativo. Italian AXA Paper n. 8 – Le sfide dei dati, Milano, p. 30, ott. 2016.

[13] MINTY, Duncan. Why honesty and purpose will change the conduct agenda. Disponível em: https://ethicsandinsurance.info/2019/06/25/honesty-purpose/. Sobre os riscos envolvidos na constante vigilância dos segurados, consulte-se: JUNQUEIRA, Thiago. Tratamento de dados pessoais e discriminação algorítmica nos seguros. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. pp. 187 e ss.

[14] WASSINK, Bernhard; RUSSIGNAN, Luca. Implementing a gamification strategy: The importance of winning the game in insurance. Ernst & Young LLP, 2019. p. 2. Segundo o mesmo estudo, são elementos comuns da gamificação: “i) Progresso: geralmente representado por ‘emblemas’ que representam conquistas ou barras de progresso; ii) Bens virtuais: objetos ou poderes especiais que os jogadores podem obter por meio da troca de algum tipo de moeda virtual; iii) Interações: para incentivar o trabalho em equipe e redes sociais; iv) Desbloqueio de conteúdo: visando motivar o usuário a concluir algo para desbloquear conteúdo adicional; e v) Restrições: prazos que pretendem motivar as pessoas a agir em períodos específicos”.

Publicado em Conjur

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