ELETROBRAS RECORRE AO STF PARA VOTAR A INCORPORAÇÃO DE FURNAS EM ASSEMBLEIA

04/01/2024

A tentativa da Eletrobras de incorporar sua principal subsidiária, Furnas, teve novos desdobramentos. A empresa acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar derrubar as liminares que suspenderam a assembleia geral extraordinária (AGE) que iria deliberar sobre a operação, conforme noticiou ontem o ValorPRO, serviços de informações em tempo real do Valor. As decisões, emitidas pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), foram obtidas em 29 de dezembro, a pedido da Associação dos Empregados de Furnas (Asef), que se opõe à proposta.

A estratégia jurídica da Eletrobras envolve mais de uma frente e, em paralelo, a empresa conseguiu reverter parcialmente uma das liminares. O desembargador vice-presidente do TJ-RJ, Caetano Ernesto da Fonseca Costa, permitiu que a reunião seja realizada a partir de 10 de janeiro. Mas como a outra decisão está em vigor, a reunião segue travada.

A reclamação da Eletrobras foi apresentada ao STF no dia 30 de dezembro e ainda não há decisão. O relator é o ministro Alexandre de Moraes. Nesta terça-feira (2), a empresa reiterou o pedido, ressaltando a urgência do tema.

Ao STF, a Eletrobras disse que as decisões configuram usurpação de competência do Supremo, uma vez que o ministro Kassio Nunes Marques é relator de uma ação que questiona a privatização da empresa. Em 19 de dezembro, Marques decidiu abrir mesa de conciliação entre o governo e a Eletrobras para discutir o pedido da União para ter maior poder de voto na empresa. A União tem 42,77% das ações, mas só pode votar com até 10% dos papéis, limitação que é válida para qualquer acionista ou grupo de acionistas.

“As decisões adotadas pelo relator da ADI [Nunes Marques] até o presente momento, de não conceder a cautelar requerida e de submeter o tema à conciliação, evidenciam que o STF, Tribunal competente para apreciar o tema, entende que os órgãos da companhia, da forma como atualmente organizados, aí incluída sua assembleia geral de acionistas e a limitação de votos da União e suas entidades nessa qualidade, preservam integralmente suas atribuições relacionadas ao regular exercício de administrar os negócios da Eletrobras”, disse a empresa na ação.

Ao acionar o STF, Eletrobras busca uma decisão final sobre liminares” — Claudio Bastos

De acordo com o pedido, “a discussão da incorporação de Furnas pela Eletrobras não envolve duas empresas públicas, sociedades de economia mista ou de interesse público, mas duas empresas privadas”. A Eletrobras foi privatizada em junho de 2022. A ação argumenta que por serem empresas privadas, as administrações da Eletrobras e de Furnas devem ser regidas pelos princípios gerais de direito empresarial e direito civil. Para a empresa, as decisões de suspender a assembleia “importa em gravíssimos riscos não só à Eletrobras e seus acionistas, mas aos mercados financeiro e de capitais como um todo”.

Com duas liminares de diferentes instâncias, falta uma uniformização sobre quem seria o juízo competente para decidir ou não a manutenção da assembleia, afirma Claudio Luiz de Miranda Bastos Filho, sócio do escritório Chalfin, Goldberg e Vainboim. Ao recorrer ao STF, a empresa busca um posicionamento final sobre o tema. “Fazer uma assembleia com base em liminares talvez não seja o melhor contexto estratégico para a companhia, uma vez que correria o risco da reunião ser revista ou cancelada”, diz.

Em comunicado divulgado ontem, a Eletrobras informou que os trabalhos da assembleia estão suspensos “e serão retomados assim que a situação em questão seja devidamente reavaliada pela companhia”. A empresa reiterou que está adotando todas as medidas cabíveis para preservar os interesses dela, mas não entrou em detalhes.

Em paralelo, a AGE já teria votos suficientes para aprovar a matéria, de acordo com o boletim de voto a distância (BVD), apurou o Valor. O instrumento é usado por investidores para votar previamente à assembleia.

A companhia enviou, na sexta-feira (29), as informações do BVD à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A incorporação de Furnas foi aprovada por donos de 597.148.741 de ações da Eletrobras, que representam pouco mais de 99% dos votos proferidos por este instrumento. Esse número representa quase 30% do total de ações ordinárias, mas não há informações oficiais sobre o quórum da assembleia. Na sexta-feira, a companhia informou que havia quórum mínimo para a instalação da reunião. De acordo com as informações trimestrais da companhia em 30 de setembro de 2023, a Eletrobras tinha, na data, uma base acionária de 2,3 bilhões de ações, entre ordinárias e preferenciais.

As abstenções e votos em branco somaram 2.473.079 de papéis, e titulares de 146 ações foram contra. Os votos via BVD serão válidos quando e se a assembleia suspensa for retomada. Não há dados públicos sobre quem foram os votantes, mas o Valor apurou que a União e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) votariam presencialmente.

Do lado do governo, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, tem atuado para evitar a incorporação de Furnas. Silveira tem articulado com sindicatos e faz a gestão com o judiciário para que a subsidiária não seja incorporada. O ministro defende, por exemplo, que Furnas “é um patrimônio dos brasileiros e importante para segurança energética”. O ministro tem se colocado contra a reestruturação da Eletrobras e contra o plano de demissão voluntária (PDV) realizado pela companhia. “Ele entende que isso pode prejudicar à segurança energética”, de acordo com a assessoria de imprensa do MME.

Em 30 de agosto de 2023, Silveira enviou carta ao presidente da Eletrobras, Ivan Monteiro, pedindo a suspensão do PDV “até que o MME pudesse examinar o plano de ação para a prestação do serviço adequado e o plano de investimentos para os próximos anos, considerando a ausência da força de trabalho que pode ser desligada”. Procurada pela reportagem, a Eletrobras preferiu não comentar.

A proposta de incorporação continua suscitando críticas. O ex-presidente da Eletrobras e atual conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), José Luiz Alquéres, considera que a operação é um movimento errado comandado por um conselho de administração estranho ao setor elétrico e que pode fazer com que a companhia perca o valor intangível da marca. Já a companhia defende que “a incorporação trará aumento de eficiência, qualidade, segurança operacional e elevação dos investimentos no setor.”

Publicado em Valor Economico

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