MEIO AMBIENTE E SETOR DE SEGUROS

05/05/2021

O Direito Internacional do Meio Ambiente, como se sabe, surge na década de 70, durante uma das primeiras grandes conferências das Nações Unidas. Sobreveio da Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, em 1972, um alvissareiro manifesto, reconhecido pelos ambientalistas como a certidão de nascimento da proteção ao meio ambiente.
De forma visionária, o documento já identificava que a intervenção desproporcional do ser humano na natureza impactaria não só na degradação e no esgotamento dos recursos naturais, como também inviabilizaria – a longo prazo – o progresso sob o ponto de vista econômico.
A tutela ecológica, desde então, dá ensejo a progressivas discussões que, por vezes, convertem-se em tratados, protocolos, convenções e documentos dos mais diversos. Temas como as mudanças climáticas e a perda massiva da biodiversidade, por exemplo, interligam-se com o que alguns cientistas defendem ser um “novo período geológico”, por conta de tamanha magnitude que o impacto da intervenção humana engendrou na natureza.
Apesar de cambiante e subestimada, a agenda sustentável ganhou significativo espaço na última década. Ainda que impulsionado por crises ecológicas, o conjunto global de esforços atinge tanto o Sistema ONU de proteção aos Direitos Humanos, quanto os sistemas regionais – em particular, o Sistema Interamericano de proteção de Direitos Humanos (SIDH), que agasalha diretamente as pautas brasileiras.
É possível dizer que, até 2017, a questão ambiental foi tratada de forma indireta e algo periférica pela jurisprudência internacional, quando, então, uma guinada foi promovida. Por meio da apresentação da Opinião Consultiva nº 23 (OC-23/17), intitulada de “Medio Ambiente y Derechos Humanos”,[1] a Corte Interamericana de Direitos Humanos estabelece uma nova diretriz de interpretação do direito humano ao meio ambiente, tornando-o intrinsicamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Pari passu, no mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal brasileiro reconheceu, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4066, o status de supralegalidade de todos os tratados internacionais em matéria ambiental.
Seguindo a agenda internacional, em 2018 a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) elaborou importante estudo delineando guidelines para o desenvolvimento sustentável entrelaçado ao setor de (res)seguros. A análise desenvolvida no documento supracitado relembra que o
[…] setor de resseguros foi o primeiro a alertar sobre o aquecimento do planeta, ao notar, já em 1973, que a quantidade de sinistros relacionados às enchentes estava aumentando cada vez mais […] e, desde então, o setor de seguros se tornou um dos pioneiros na promoção da importância de se atentar para as mudanças climáticas.[2]
Por óbvio, a subscrição dos riscos sempre esteve à frente na investigação de potenciais ameaças ou responsabilidades inerentes aos segurados e, consequentemente, na avaliação do meio social que esses estariam inseridos.
Sem embargo, quando as condições verificadas denotam um horizonte de incremento e refinamento dos riscos, em uma quase espécie de avesso da intencionalidade, o equilíbrio financeiro das (res)seguradoras é posto em xeque, na medida em que as obrigações assumidas pelas partes se tornam desproporcionais frente ao agravamento dos índices de ocorrência e severidade dos desastres ecológicos.
À guisa de ilustração, se até 2020 era comum o fato de que epidemias e pandemias se afigurassem como risco excluído nas apólices de seguro de vida, a realidade de riscos extraordinários se avizinha em meio a uma realidade instável ocasionada pela crise ecológica.
Assim, a legitimidade de uma excludente relacionada a potenciais eventos desconhecidos passa a ser questionada, ao mesmo tempo em que a costumeira mensuração prévia dos riscos se mostra insuficiente.
Forçoso concluir, portanto, que não só a segurança dos seres humanos, como também o futuro das relações negociais se mostram dependentes da saúde em escala planetária, reforçando que a solução para esses graves problemas, proporcionados pela deficiente proteção ambiental, só virá quando, na mesma magnitude do estrago, forem enfrentados em escala global.
Além disso, o quadro pós-pandemia, do ponto de vista político ou do Direito Internacional dos Direitos Humanos, já é motivo de preocupação para muitos países da comunidade europeia, que vêm empregando esforços para que não haja um retrocesso das políticas ambientais, notadamente em razão de toda a crise econômica ligada à pandemia da Covid-19.
É o que mostra uma recente pesquisa realizada pela Ernest Young,[3] que acompanhou quarenta e sete seguradoras distribuídas por seis mercados europeus: França, Alemanha, Itália, Holanda, Suíça e Reino Unido. O grupo, que inclui cinco grandes seguradoras, estabeleceu a meta coletiva de até 2024 fazer aproximadamente US$ 70 bilhões em investimentos relacionados à ESG (sigla em inglês que representa iniciativas Ambientais, Sociais e de Governança Corporativa).
A agenda de sustentabilidade, agora, é uma das prioridades estratégicas para muitas seguradoras que se mostram comprometidas para além de seus produtos e serviços, investimentos e gestão de risco, pautando suas deliberações com base na responsabilidade social corporativa, o que as consolida como uma voz de liderança em ameaças ecossistêmicas e mitigação dos riscos em particular.
O benchmarking dos líderes da indústria, paulatinamente, passa a ser não mais com base em sua capacidade de cobrir as consequências econômicas do risco transferido pelo proponente, mas igualmente por sua habilidade em promover a prevenção dos riscos, postas as sinistralidades que não comportam efetiva compensação.
O relatório de sustentabilidade apresentado pelas empresas europeias, mencionado anteriormente, indica que seus desempenhos estão muito à frente dos pares globais. A pesquisa atesta que 70% das seguradoras analisadas se mostram comprometidas com o desenvolvimento de “produtos verdes”, que incluem, e.g., taxas de seguro especiais para moradias ou carros com eficiência energética e seguros de viagem que incorporam compensações de carbono.[4]
Por conseguinte, o “greening” corporativista é uma realidade impossível de ser ignorada e, a julgar pela capacidade de impacto do mercado segurador, que abrange não só relações contratuais diretas, como também terceiros e fornecedores de um sistema social bem mais amplo, será mandatório o investimento do setor em ações de responsabilidade social para a melhoria e desenvolvimento sustentável de outros setores interligados.
Entre as empresas mais jovens, é possível notar o engajamento prático de políticas verdes desde a concepção. Em 2018, por exemplo, Daniel Schreiber, CEO da seguradora norte-americana Lemonade, apontou o setor segurador norte-americano como o segundo maior ramo do país que investia em petróleo, gás, carvão e outros combustíveis fósseis, acusando-o de negligência ante às causas sustentáveis.
Na sequência, o autor faz um apelo aos seus parceiros de indústria – resseguradoras, concorrentes e empresas de seguro saúde e vida – para se juntarem ao compromisso ético de não mais investirem em projetos poluentes, aduzindo que fazer a coisa certa beneficia não só clientes e acionistas, mas também o futuro comum a todos.[5]
Indo além, ao criar o disruptivo projeto “Lemonade Giveback”, a seguradora em tela promete “transformar o seguro de um mal necessário em um bem social” e, apresentando-se como uma alternativa inovadora aos seguros tradicionais, permite que seus segurados elejam uma causa filantrópica para destinar o restante dos prêmios que não foram utilizados no pagamento de sinistros.[6]
No cenário nacional, merecem realce os crescentes investimentos ESG realizados pela Zurich Seguros, que envolvem desde a implementação de energia renovável até o desenvolvimento de saneamento básico e universalização do acesso ao esgotamento sanitário. De acordo com levantamento feito pela mídia especializada, durante o ano de 2020 foram R$ 230.000.000,00 destinados a títulos verdes, representando cerca de 6% de suas reservas técnicas.[7]
Salta aos olhos, portanto, que o setor segurador deve ser protagonista nas metas de sustentabilidade. Não cabe mais enxergá-lo apenas como tomador de riscos, mas, sim, e em igual medida, como um investidor institucional nas diversas frentes de lavagem verde e um agente preventivo de danos na sociedade. Apenas dessa forma poder-se-á dizer que, de fato, ele cumpre com a sua função social.
[1] Conforme: <https://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_23_esp.pdf>. Acesso em: 22 de abril de 2021.
[2] CNSeg. Sustentabilidade em seguros: tendências, desafios e oportunidades. 2018. Disponível em: <https://cnseg.org.br/data/files/31/62/74/39/6506A61069CEB5A63A8AA8A8/CNseg_site_livreto_sustentabilidade-121218_mf.pdf>. Acesso em: 22 de abril de 2021.
[3] LOFTS, Gill et. al. How European insurers are advancing the sustainability agenda. Disponível em: <https://www.ey.com/en_gl/sustainability-financial-services/how-european-insurers-are-advancing-the-sustainability-agenda>. Acesso em: 22 de abril de 2021.
[4] Ibid. Ademais, transcendendo o espectro meramente ecológico, a maturidade organizacional europeia fomenta outras pautas tão prementes quanto, como o fortalecimento da D&I, que significa ampliar a diversidade e inclusão de pessoas multidimensionais no corpo corporativo, o encorajamento da liderança feminina e remunerações equiparadas. A amostra sugere que, embora o setor segurador europeu conte com um nível abaixo da paridade, a região lidera a pauta ESG, traduzida em 33% de mulheres ocupando o conselho executivo das seguradoras e 35% dos membros do conselho de seguradoras europeias formados por um grupo cultural minoritário.
[5] SCHREIBER, Daniel. Why Lemonade Won’t Invest In Coal. Disponível em: <https://www.lemonade.com/blog/divest_coal/>. Acesso em: 22 de abril de 2021.
[6] Conforme: <https://www.lemonade.com/giveback> e <https://www.lemonade.com/giveback-2020>. Acessos em: 20 de abril de 2021. Vale ressaltar que o aporte da Lemonade a instituições de caridade, somente no ano de 2020, foi contabilizado em US$ 1.128.109,89.
[7] Conforme: <https://www.istoedinheiro.com.br/um-sopro-de-dinheiro-verde-para-as-seguradoras>. Acesso em: 21 de abril de 2021.

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