QUESTÕES RELATIVAS À PROTEÇÃO ÀS CRIAÇÕES INTELECTUAIS E CLIENTELA

23/10/2023

O recente lançamento da música publicitária “Magia Amarela” pela Bauducco, em parceria com Juliette e Duda Beat, resultou em uma enxurrada de acusações de suposto plágio ao projeto “AmarElo”, de Emicida, lançado em 2019.

Mesmo negando o plágio, a campanha da marca foi retirada do ar pela empresa após a grande repercussão negativa. Especialistas no assunto ouvidos pelo Valor apontam que, conceitualmente, o caso poderia configurar plágio — mas que o assunto é denso e apenas uma profunda análise técnica poderia dar o veredito.

Internautas apontaram aspectos de semelhança entre as produções, como a paleta de cores usada, os elementos, a fonte das letras e até mesmo a posição das artistas (Juliette e Duda Beat) nas fotos de divulgação da música.

Afinal, o que é plágio?

Plágio nada mais é do que uma obra — seja ela música, livro, foto, filme — que tenha como base outra obra original, que comprovadamente foi lançada anteriormente.

O plágio vem do desrespeito ao reconhecimento do direito autoral, aquilo que protege os direitos do criador de uma obra intelectual. Sua definição vem da Lei dos Direitos Autorais, que prevê que “são obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”.

Esse direito pode ser assegurado de diversas maneiras, dependendo do tipo de obra. Pode ser feito com registro em cartório, na Biblioteca Nacional, na editora musical e outros.

O crime de plágio está previsto no artigo 184 do Código Penal, com pena de até um ano de detenção e multa para casos comprovados. Há, ainda, a possibilidade de indenização por danos morais e possíveis danos patrimoniais ao autor da obra original.

Porém, é preciso lembrar que não precisa ser uma cópia integral da obra para ser configurado como plágio. “A identificação que nos remeta a uma outra obra pode ser inicialmente um ponto de atenção para um caso de plágio”, diz Juliana Salema, advogada especializada em propriedade intelectual e direito digital.

“Elementos do caráter criativo da obra original, a forma de expressão, dos elementos estéticos e do estilo de linguagem podem configurar plágio”, aponta a advogada.

Campanha Magia do Amarelo

Dentre as acusações feitas contra a Bauducco sobre um suposto plágio do projeto audiovisual AmarElo, desconsiderando a música em si, muitas citavam as cores, a tipografia e os termos usados na campanha.

  • Sobre a cor principal da campanha ser semelhante à usada no projeto audiovisual anterior, a advogada Juliana Salema diz que cores, de forma individual, não podem ser protegidas por direito autoral;
  • Já a tipografia usada (ou seja, a fonte das letras) até pode ser, mas caso seja fruto de uma criação original. Porém, a Bauducco usa a mesma fonte em campanhas anteriores à da que causou polêmica;
  • O conceito, porém, é onde mora a confusão do caso. Isso porque uma ideia não pode ser protegida, e o “conceito” da obra é subjetiva.

Neste caso, segundo Juliana, pode entrar um conceito em Direito chamado “trade dress”, que são as características da aparência visual de uma obra ou produto que remetem à sua origem para os consumidores. Ou seja, a disposição das cores e dos elementos em uma obra que traz identificação para o público — como olhar para uma embalagem vermelha com escrita em letra cursiva na cor branca em um refrigerante e remeter imediatamente à Coca-Cola, mas ser um concorrente.

É isso que, segundo usuários, acontece entre as duas obras.

Em resposta às acusações, a Bauducco optou por cancelar a campanha e tirá-la de circulação. Para o advogado Cláudio Miranda, especialista em direito administrativo do escritório Chalfin, Goldberg, Vainboim, a decisão foi acertada e não quer dizer que a empresa de alimentícios está assumindo qualquer culpa. “Não é como se ela estivesse confessando uma irregularidade, é uma medida cautelar. Seria a minha recomendação do ponto de vista jurídico”, diz.

O advogado explica que ficou evidente que o público estava relacionando a campanha publicitária ao trabalho de Emicida, o que poderia fazer com que a campanha fosse lida implicitamente como uma produção e/ou continuidade do trabalho do cantor. “Isso poderia gerar um desvio de consumo para outra direção. Você corre o risco de causar um impacto na clientela em torno disso; não só nas vendas, mas no posicionamento de marca também”.

Afinal, a Bauducco plagiou Emicida?

Ambos os especialistas são enfáticos ao responder a questão apontando que apenas uma análise técnica poderia responder à questão com certeza.

“O que posso afirmar é que obedece a alguns requisitos para configuração do plágio”, diz Juliana. “Mas, caso de fato vá para esfera judicial, um perito irá comprovar detalhadamente ambas as obras”.

Já Cláudio é mais cauteloso. “É a pergunta de um milhão de dólares”, responde. “Depende da verificação técnica das duas produções. Se um tema como esse for para a Justiça, teria anos de trabalho técnico das construções. Seria leviano definir uma posição neste momento”.

O que dizem os envolvidos?

Em nota enviada à imprensa, a Bauducco se defendeu das acusações e confirmou o cancelamento da campanha. Veja abaixo a nota na íntegra:

“A música “Magia Amarela”, protagonizada por Juliette e Duda Beat, foi criada para fazer parte de uma campanha de mesmo nome da Bauducco, com o objetivo de celebrar o amarelo, icônico e característico da sua identidade visual, presente nas embalagens e comunicações da marca há mais de 30 anos, além de unir conceitos também historicamente propagados: família, união, encantamento e comunhão. Reforçaria ainda a assinatura utilizada nas campanhas da marca: “Um sentimento chamado Família”.

A tipografia prevista para os materiais gráficos de divulgação seria a mesma já usada pela marca, tanto nas embalagens como em outras campanhas e posts das redes sociais. A campanha foi concebida como um projeto amplo e integrado, nascido das fortalezas históricas da marca.

Para interpretar a música e protagonizar o videoclipe, foram considerados artistas da música brasileira e internacional. A escolha das cantoras Juliette e Duda Beat refletiu o propósito da campanha: são duas artistas que já tinham uma amizade e formam “uma família” com base nos laços de afeto, de afinidade e da arte. É importante ressaltar que a participação das cantoras se restringiu à interpretação da música-tema, sem vínculo com a criação da campanha.

Diante de questionamentos sobre o projeto e sobre as cantoras, a Bauducco decidiu cancelar a campanha e seguirá dialogando com os artistas envolvidos, pelos quais manifesta total respeito e admiração. Em novas oportunidades, a marca voltará a celebrar sua cor icônica e sua mensagem de união.”

Juliette se posicionou pelas redes sociais dizendo que ela e equipe “jamais compactuariam ou participariam cientemente de atitudes de plágio e apropriação criativa”. Ela escreveu, ainda, que os processos de liberações autorais são de responsabilidade do contratante em casos de campanhas publicitárias e pediu desculpas pelas consequências do ocorrido.

O Valor também procurou Duda Beat e Emicida para se posicionarem sobre o caso, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto.
Publicado em Valor Econômico

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