RESOLUÇÃO CNSP Nº 407, DE 2021, OS SEGUROS DE GRANDES RISCOS E O FUTURO: UM ACENO VIGOROSO À COMPETITIVIDADE, INOVAÇÃO E CRIATIVIDADE

08/04/2021

Foi publicada, em 31 de março de 2021, a Resolução CNSP nº 407 (“Resolução”), que entrou em vigor em 1º de abril de 2021 e dispõe sobre os princípios e as características gerais para a elaboração e a comercialização de contratos de seguros de danos para cobertura de grandes riscos.

O normativo é mais um movimento da Superintendência de Seguros Privados (“SUSEP”) pela desregulamentação e flexibilização do setor, no que se designou alhures como “giro regulatório”[1], em caminho iniciado pela Circular SUSEP nº 621.

Trata-se de mais uma tentativa de superar o histórico de padronização de condições que sempre marcou o mercado de seguros brasileiro, permitindo que as seguradoras compitam, além do preço, com diferentes produtos e condições contratuais.

Nesse sentido, tanto a Resolução, quanto a vindoura circular que regulará os seguros de danos massificados[2] serão normas principiologicamente orientadas e menos prescritivas, toada que deve conduzir a relação entre as sociedades supervisionadas e segurados ou tomadores daqui para frente, em linha com os dispositivos existentes na Lei nº 13.874, a Lei de Liberdade Econômica.

A Resolução, antes de entrar em vigor, foi alvo da Consulta Pública 18/2020 e, da minuta disponibilizada ao mercado para a versão publicada, algumas mudanças puderam ser observadas.

A principal delas foi redução do limite máximo de garantia (LMG) para que os contratos possam ser enquadrados em grandes riscos, passando de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões) para R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais). Além dessa possibilidade, os contratos de seguro também serão qualificados como de “grandes riscos” quando os tomadores apresentarem, no momento da contratação ou da renovação, (i) ativo total superior a R$ 27.000.000,00 (vinte e sete milhões de reais), no exercício imediatamente anterior; ou (ii) faturamento bruto anual superior a R$ 57.000.000,00 (cinquenta e sete milhões de reais), no exercício imediatamente anterior[3].

Outra grande mudança observada diz respeito aos ramos que necessariamente serão considerados como grandes riscos, independentemente dos valores acima: riscos de petróleo, riscos nomeados e operacionais – RNO, global de bancos, aeronáuticos, marítimos e nucleares, além de seguros de crédito interno e crédito à exportação, quando o segurado for pessoa jurídica.

Deixaram de ser disciplinados pela Resolução alguns ramos que constavam na minuta disponibilizada ao mercado, como o seguro de responsabilidade civil de administradores e diretores (“D&O”), transferido para a circular que disciplinará os seguros do ramo de responsabilidades, mas que é qualificado como seguro de grandes riscos, além dos ramos stop loss e operadores portuários[4].

Em relação aos valores e aos ramos, lamentavelmente a autarquia deixou de conceder ao mercado informações sobre o motivo da inserção e retirada de ramos ou a escolha e redução dos valores, o que seria bastante benéfico para que se pudesse conhecer “mais de perto” o produto e a forma como ele foi pensado pelo órgão regulador.

Para além da ausência de informação, deve ser registrado que a classificação de um contrato de grandes riscos, conforme o normativo, não prevê um de seus principais elementos, a inexistência de vulnerabilidade jurídica, técnica e financeira entre a seguradora e o tomador/segurado. Na mesma toada, a classificação de um contrato de seguro de grandes riscos deveria conjugar valores e ramos, não um ou outro, como se verifica no normativo publicado.

Como princípios que irão reger a relação entre segurados e seguradora, a norma lista a liberdade negocial ampla, a boa-fé, a transparência e objetividade nas informações, o tratamento paritário entre as partes contratantes, o estímulo às soluções alternativas de controvérsias e a intervenção estatal subsidiária e excepcional na formatação dos produtos, todos em linha com a Lei de Liberdade Econômica.

O normativo faculta às partes, ainda, a adoção das regras constantes de regulamentações específicas de seguros de danos, inclusive em relação aos conceitos e às definições técnicas.

Na tentativa de ser menos invasiva possível na relação entre as partes, mas sem desguarnecê-las, a SUSEP exigiu que, de forma geral, as condições contratuais deverão ter ordenamento lógico, ser redigidas de forma clara e objetiva e deverão destacar as obrigações e restrições ao direito do segurado.

Exige, ainda, a presença de elementos mínimos obrigatórios nas condições contratuais, como glossário contendo termos técnicos e expressões estrangeiras utilizadas, além de outras doze cláusulas obrigatórias[5] e elementos que devem ser destacados, como as cláusulas que tratem dos bens e interesses não compreendidos e dos riscos excluídos.

Assim como previsto para os seguros de danos, deixa de ser obrigatório o registro prévio das condições contratuais e as notas técnicas atuariais relativas aos contratos de seguros de danos para cobertura de grandes riscos, devendo as sociedades mantê-las sob guarda, assim como os documentos que comprovam a contratação do seguro, os relacionados à política de subscrição e aqueles que comprovem o enquadramento nos valores mínimos referidos anteriormente, para eventual fiscalização da autarquia.

A norma inova, em compasso com a Circular SUSEP nº 621, ao autorizar coberturas relativas a diferentes ramos de seguros de danos nas mesmas condições contratuais, em um claro incentivo à criação de produtos que se detenham maior suitability (adaptação) às necessidades do segurado.

No caso de grandes riscos, entretanto, essa criatividade nos produtos deverá ser ainda mais observada que nos seguros massificados, considerando que os contratos de grandes riscos são oferecidos a players com maior apetite a assumir riscos e investir em negociações.

Por serem contratos de grande vultuosidade, com paridade e simetria entre as partes, na forma do art. 421-A do Código Civil, a norma determina que condições contratuais deverão dispor sobre as consequências pela inadimplência do pagamento do prêmio e faculta às partes disciplinarem, entre si, sobre a necessidade de comunicação prévia das seguradoras aos segurados e tomadores antes da eventual extinção do contrato[6].

No capítulo III, a norma qualifica os seguros típicos de grandes riscos, com destaque para: (i) os seguros de riscos nomeados necessariamente terem LMG superior a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais); e (ii) os seguros aeronáuticos poderem prever o pagamento de multas e penalidades cíveis provenientes de decisão administrativa.

Nas disposições finais, a SUSEP apresenta mais um elemento à liberdade contratual prescrita pela Lei de Liberdade Econômica, ao incentivar a adoção de formas de resolução de litígios não judiciais, como a mediação e a arbitragem, disposição que também deverá ser observada na circular que tratar dos seguros de responsabilidades.

É, portanto, mais um afastamento da intervenção estatal nas relações segurado-seguradora, deixando para os árbitros especializados a tarefa de decidir sobre sinistros de alta complexidade, que envolvam grandes somas e necessitam de veloz solução.

Verifica-se, por fim, a vigência imediata do normativo, a partir de 1º de abril de 2021, inclusive para as renovações de apólices. A ausência de um razoável prazo de adequação do mercado causou surpresa e, bem vistas as coisas, não deveria ser replicada nos próximos normativos da SUSEP.

Do que não está escrito na norma, deve-se destacar que os corretores precisarão ter conduta mais ativa na oferta e venda de produtos, necessitando conhecê-los profundamente para oferecer ao segurado o conjunto de coberturas e exclusões que melhor se adaptem às suas necessidades. Além disso, as seguradoras e resseguradoras terão que se adaptar a esse novo cenário, marcado por ampla liberdade e altas expectativas dos segurados por contratos feitos sob medida.

Tudo ponderado, as perspectivas são animadoras, principalmente no que tange à inovação e ao incentivo ao desenvolvimento de novas cláusulas, mais adequadas ao interesse do segurado. Criatividade e competitividade, pelo visto, serão palavras de ordem do setor de seguros brasileiro.


Guilherme Panisset Barreto Bernardes é sócio de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados, integrante da área estratégica de seguros, além de ser mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL).

[1] Seja consentido referir a BERNARDES, Guilherme. Giro regulatório no seguro de danos: considerações sobre a Circular SUSEP nº 621. Disponível em https://www.editoraroncarati.com.br/v2/Artigos-e-Noticias/Artigos-e-Noticias/Giro-regulatorio-no-seguro-de-danos-consideracoes-sobre-a-Circular-SUSEP-n%C2%BA-621.html. Acesso em 02 abril 2021.

[2] A norma, aberta para consulta ao mercado por meio do Edital 06/2021, receberá considerações até o dia 14 de abril de 2020. A SUSEP, em webinar realizado em 31.03.2021, prometeu colocá-la em vigor em quinze a trinta dias depois.

[3] A norma prevê, ainda, que poderão ser considerados seguros de grandes riscos aqueles que tenham sido contratados, por meio de uma apólice individual, por mais de um tomador ou segurado, desde que, ao menos um dos tomadores ou segurados detenham valores de ativo total ou faturamento bruto superiores aos previstos na norma. Da mesma forma, no caso do seguro garantia, o seguro também poderá ser classificado como de grandes riscos caso o tomador ou segurado pertença a um grupo econômico que supere os valores mínimos de ativo total ou faturamento bruto, devendo constar na apólice expressa menção ao vínculo existente, de forma clara e objetiva.

[4] Não se tem a pretensão, aqui, de afirmar que esses ramos não podem ser enquadrados como grandes riscos, mas apenas que deixaram de ser previstos no normativo e serão tratados adequadamente em outro ato. A ressalva é necessária, principalmente, em relação ao seguro D&O, sabidamente um seguro de grandes riscos. Para maior aprofundamento dessa classificação, convém consultar GOLDBERG, Ilan. O Contrato de seguro D&O. 1. ed. Thomson Reuters Brasil: São Paulo, 2019. pp. 321-337.

[5] São eles: (i) o âmbito geográfico das coberturas; (ii) o pagamento de prêmio; (iii) os riscos cobertos e excluídos; (iv) a exata definição do início e do término das obrigações; (v) o procedimento para renovação do seguro, quando for o caso; (vi) o critério de alteração e atualização de valores; (vii) a comunicação, a regulação e a liquidação de sinistros, incluindo a documentação mínima e o fluxo geral para regulação de sinistro; (viii) as hipóteses de extinção contratual; (ix) as franquias, as participações obrigatórias do segurado, as carências e a reintegração, quando houver; (x) o limite máximo de indenização (LMI) e/ou limite máximo de garantia (LMG), conforme o caso; (xi) a cláusula de concorrência de apólice, quando aplicável; e (xii) a perda de direitos.

[6] Essa faculdade, como é sabido, é vedada aos contratos de seguros massificados, contratados por segurados hipossuficientes em relação à seguradora e que devem ser comunicados da mora no pagamento com antecedência à resolução do contrato, sob pena de ser devida a indenização securitária, em matéria que já foi sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula 616: “A indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro”). Em julgamento recente, todavia, o STJ relativizou a aplicação desse verbete, ao consignar que “É legítima a recusa da entidade de previdência privada ao pagamento do pecúlio por morte no caso de inadimplemento das parcelas contratadas por longo período, independente da ausência de prévia interpelação para o encerramento do contrato”. (REsp 1.691.792-RS, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/03/2021).

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