Coluna Migalhas Securitárias | O Resseguro e sua intermediação no novo Marco Legal de Seguros
04/12/2025
O novo marco legal de seguros já é realidade! Tanto se debateu a respeito da lei 15.040/24 (“nova lei”) desde sua concepção, enquanto ainda era só um projeto de lei em 2004, até o presente momento, mas o fato é que entrará em vigor em dezembro deste ano, representando uma mudança significativa no panorama legal e regulatório no Brasil. Isso torna imperativo que todos aqueles que operam no e para o mercado de seguros façam as adequações necessárias em seus produtos, serviços, processos operacionais e estruturais, ainda que alguns temas dependam de futura regulamentação complementar por parte da SUSEP – Superintendência de Seguros Privados.
A nova lei regula as normas de seguros privados, abordando, de forma geral, os intervenientes no mercado, mas sem mencionar explicitamente a figura da corretora de resseguros ou a intermediação de resseguros.
Há quem defenda que os arts. 37 a 40 da seção VII da nova lei, que tratam dos intervenientes, seriam também extensíveis às corretoras de resseguros. Contudo, à luz do texto legal, é evidente que a norma se refere aos intervenientes dos contratos de seguro, como corretores, representantes, canais de distribuição e empresas que atuam na regulação e liquidação de sinistros, e não às corretoras de resseguros propriamente ditas. Assim, as leis basilares que regem as operações de resseguro e retrocessão no Brasil permanecem sendo o decreto-lei 73/1966 e a LC 126/07, as quais são regulamentadas pelas normas infralegais em vigor.
Não obstante, é inegável que a nova lei trouxe impactos para a operação de resseguros, o que, consequentemente, requer adequações na atividade de intermediação de resseguros.
Antes de aprofundar a análise sobre o objeto deste artigo, é importante esclarecer que a utilização de intermediários de resseguro é uma opção das companhias cedentes. Isso porque, pelo teor do art. 8º da LC 126/07, a contratação de resseguro e retrocessão no país ou no exterior pode ser realizada mediante negociação direta entre a cedente e o ressegurador ou por meio de intermediário legalmente autorizado. Nesse sentido, a corretora de resseguros (ou comumente chamada de “broker de resseguros”) é então a entidade autorizada pela SUSEP para atuar na intermediação dessas operações de resseguro e retrocessão no Brasil.
Numa visão mais sintética, a intermediação de resseguros compreende tanto a negociação de programas de resseguro/retrocessão, como a própria gestão operacional desses programas, na medida em que o broker atua no processamento das contas técnicas, responsabilizando-se ainda, se assim autorizado, pela administração das transações financeiras entre as partes contratantes (cedente e ressegurador/retrocessionário).
Entretanto, numa visão mais macro, a atuação da corretora de resseguros vai muito além. Trata-se de uma consultoria completa, que ao oferecer um variado portifólio de soluções de negócios torna-se uma peça-chave, uma poderosa ferramenta, na medida em que imprime robustez técnica especializada na definição das melhores estratégias de negociação, viabilizando e potencializando a operação de seus clientes e parceiros. Há ainda no mercado brokers mais estruturados, que também oferecem serviços consultivos atuariais de alto padrão e qualidade, com tecnologia de ponta, proporcionando aos clientes maior conhecimento do desempenho da operação de forma aprofundada e consequentemente uma melhor compreensão de sua carteira para a tomada de decisões mais apropriadas para cada negócio.
Nesse contexto, frisando-se novamente que, apesar do novo ambiente normativo ter foco no contrato de seguro privado no país, os seus arts. 60 a 65 da nova lei trazem disposições relevantes em matéria de resseguro, que vão demandar das corretoras um papel ainda mais ampliado, para lidar com os novos desafios, havendo a necessidade de adaptações e/ou reforços nos seus serviços e processos operacionais, destacando-se abaixo os principais aspectos.
Aceitação tácita (art. 60)
Pela nova lei, o contrato de resseguro será considerado formado diante da ausência de resposta do ressegurador no prazo de 20 dias contados da recepção da proposta. Tal dispositivo contrasta com a atual regulamentação infralegal, que prevê justamente que o silêncio do ressegurador é considerado como recusa. Ainda que esse prazo possa ser estendido pelo regulador por necessidade técnica, não se tem conhecimento de mecanismo semelhante em outros países tradicionalmente conhecidos pela maturidade de seus mercados de resseguro. Além disso, o regulador ainda tem o desafio de compatibilizar esta aceitação tácita com a oferta preferencial aos resseguradores locais, que continua sendo mandatória. Outro ponto importante é que a nova lei tampouco levou em consideração as diferenças entre os tipos de resseguro: facultativo e automático.
Vale comentar também que o termo “proposta” tem sido objeto de muito debate, já que foi replicado da formação do contrato de seguro, situação em que a dinâmica da contratação se difere muito do resseguro. No mercado de resseguros usualmente se adota o termo oferta, sendo amplamente debatida e negociada entre as partes até se chegar aos termos finais.
A nova sistemática de aceitação tácita de resseguro passa a impor às partes um maior rigor no controle de prazos, contatos sempre atualizados, canais de comunicação mais eficientes, uma melhor definição das bases da proposta e a quem deve ser dirigida, a fim de evitar gaps de cobertura ou aceitações de riscos indesejados. Nesse sentido, o broker de resseguro desempenhará papel fundamental de assistência à cedente, principalmente se dispuser de processos automatizados de monitoramento, equipe capacitada e sistemas seguros para guarda e registro de documentação pertinente.
Diante das dúvidas e incertezas com relação a este dispositivo, havendo ainda pendências de definição por parte da SUSEP, constata-se que a comunicação entre as partes, que sempre lastreou a relação de parceria no mercado de resseguros, deve ser ainda mais clara, objetiva e detalhada, devendo inclusive explicitar o intuito das partes envolvidas, seja na fase de mera consulta inicial, nas tratativas preliminares ou na finalização da negociação do programa de resseguro.
Responsabilidade do ressegurador perante o segurado (art. 61)
Este artigo reforça que a relação seguradora-segurado e ressegurador-seguradora são distintas e independentes entre si, ratificando que o ressegurador não terá responsabilidade perante o segurado original da apólice coberta pelo resseguro, a não ser em situações excepcionais ali previstas envolvendo o pagamento direto. De qualquer forma, não é comum em contratos de resseguro automáticos que as partes acordem a possibilidade de relação direta do ressegurador com o segurado, podendo ocorrer com uma frequência menor em programas facultativos específicos.
Intervenção do ressegurador como assistente simples (art. 62)
Pela leitura deste artigo, a lei confere às partes a liberdade de acordarem ou não, exclusivamente em casos de resseguro facultativo, a intervenção do ressegurador como assistente da seguradora em demandas com o segurado. Não deixa de ser uma oportunidade de o ressegurador acompanhar de perto as discussões técnicas e jurídicas, apoiando a defesa da seguradora, mas, para tanto, esta terá que implementar controles que viabilizem a notificação tempestiva do ressegurador. Claramente este tema depende de cada negociação, da complexidade do contrato de resseguro, do interesse e da relação entre as partes, dos limites de cessão, participação do ressegurador no risco, enfim, deve ser analisado de forma individualizada.
Nesse sentido, vale a pena inclusive avaliar se a assistência em questão deveria ser objeto de notificação apenas para casos que envolvam valores mais relevantes. De todo modo, se desde o princípio não for interessante para ambas as partes, estas podem dispensá-la contratualmente, sanando, desta forma, a preocupação com tal notificação.
Adiantamento de prestações de resseguro (art. 63)
Pelo art. 63 da nova lei, as prestações antecipadas pelos resseguradores às seguradoras para fins de indenizações aos segurados devem ser imediatamente efetuadas aos mesmos. Apesar do termo “imediatamente” não representar um prazo definido, o bom senso leva a crer que deverá se dar de forma célere e quase que simultânea.
Entretanto, esta disposição pode não estar levando em conta a parte operacional das transações financeiras inerentes à contratação de resseguro, principalmente em casos mais complexos nos quais o painel de resseguro envolve diversos participantes nacionais e estrangeiros, cuja coleta de pagamentos requer a atuação de outras partes como por exemplo instituições financeiras para a transferência e conversão cambial, podendo ainda haver ou não intermediários nessa operação.
Fato é que todas as partes envolvidas deverão empregar agilidade neste processo que deve ser previamente desenhado de acordo com a operação de cada seguradora, definindo valores e prazos adequados. Destaca-se aqui que o adiantamento a que se refere este artigo não se confunde com o adiantamento da seguradora ao segurado previsto no art. 77, § único.
Cobertura do resseguro (art. 64)
Salvo disposição em contrário, o resseguro deverá cobrir todo o interesse ressegurado. Isto significa que, desde o momento inicial das negociações, as partes devem ser transparentes e discutir a extensão da cobertura, refletindo de forma clara e objetiva nas cláusulas e condições do contrato de resseguro as obrigações de cada uma. Pela nova lei à seguradora será imputada responsabilidade (inclusive solidária com os reguladores e liquidantes de sinistros) por penalidades decorrentes da mora no cumprimento dos prazos do contrato de seguro, o que engloba multa, atualização monetária, juros, perdas e danos.
Neste sentido, é fundamental que as partes discutam a forma de acomodar essas despesas no contrato de resseguro, pois muitas vezes a seguradora poderá incorrer em atraso causado por fatores que independem de sua vontade, especialmente quando o próprio ressegurador tem o controle das decisões sobre os sinistros. Perante a lei, a seguradora tem a responsabilidade perante o segurado, não podendo alegar nenhum fato decorrente do contrato de resseguro.
Outro fator que as partes deverão levar em consideração durante a negociação refere-se à cobertura das despesas de contenção e salvamento, ou seja, como dimensioná-las em relação aos limites do contrato de resseguro, uma vez que a própria lei determina que a seguradora aplique um limite para despesas desta natureza que seja separado do LMG/capital segurado da apólice.
Preferência de créditos do segurado diante da insolvência da seguradora (art. 65)
O art. 65 da nova lei representa um reforço na proteção ao segurado, beneficiário e terceiro prejudicado, na medida em que consolida a preferência absoluta destes no recebimento de valores devidos pelos resseguradores a seguradoras numa situação excepcional, quando estas se encontrem sob direção fiscal, intervenção ou liquidação. A SUSEP é a responsável pela condução desses processos e garantirá o seu cumprimento de modo que o segurado não seja prejudicado.
Conclusão
Diante do cenário apresentado, é evidente que o novo marco legal de seguros impõe uma série de desafios e oportunidades para as corretoras de resseguros. Sua atuação deve se ampliar ainda mais, incorporando funções de consultoria técnica, gestão de riscos e suporte na elaboração de contratos, além de fortalecer processos internos de monitoramento e compliance.
Os brokers devem estar preparados para atuar de forma proativa na adaptação às novas exigências regulatórias, antecipando discussões com o mercado, investindo em tecnologia, capacitação de equipes e na construção de parcerias sólidas com resseguradores. Além disso, é fundamental destacar que a atuação estratégica e bem estruturada das corretoras de resseguro será decisiva para garantir a continuidade e o crescimento de suas operações, bem como a proteção dos interesses de seus clientes em um mercado cada vez mais regulado e competitivo.
Publicado em Migalhas