O CONTRATO DE RESSEGURO NO PLC 29/2017 E SEUS SUBSTITUTIVOS

23/10/2023

Ainda desconhecido do grande público, o contrato de resseguro caracteriza-se pela paridade de seus contratantes: de um lado uma seguradora, também chamada de cedente (empresa que cede parte dos riscos que assume), e, do outro lado, a resseguradora, que os absorve. Ele funciona como um verdadeiro combustível ao desenvolvimento dos contratos de seguro, na medida em que proporciona capacidade técnica e, sobretudo, equilíbrio econômico-financeiro diante de oscilações indesejadas decorrentes do aumento da sinistralidade.

O referido desconhecimento talvez seja uma consequência de seu funcionamento cotidiano que, via de regra, é antecedido por um contrato de seguro. Embora sejam tecnicamente distintos, a razão de ser do contrato de resseguro repousa na existência de um contrato de seguro cujos riscos, seja por sua magnitude, seja pelo próprio apetite da seguradora, não lhe convém reter, isoladamente. Nessa mesma direção, o contrato de seguro, designadamente os classificados como seguros de grandes riscos, também repousam nos contratos de resseguro. Mercados de seguros prósperos não vivem sem resseguro.

A versão original do Projeto de Lei da Câmara nº 29/2017, que, se aprovado, revogará, entre outros, os artigos 757 a 802 do Código Civil, disciplina os contratos de resseguro nos artigos 64 a 69, além do disposto nos artigos 2º e 3º. Dita versão inauguraria no Brasil um regime de contratação de resseguro com aceitação tácita pelo ressegurador, no exíguo prazo de dez dias (artigo 64). Além disso, criaria obrigações de natureza processual à seguradora, determinando que ela notificasse a resseguradora judicial ou extrajudicialmente a respeito de ação proposta (artigo 66); obrigaria que montantes pagos pelo ressegurador à seguradora, decorrentes do contrato de resseguro, fossem imediatamente transferidos ao segurado (artigo 67); criaria norma que define os contornos do interesse ressegurado, que, obrigatoriamente, incluiria o interesse da seguradora relacionado à recuperação dos efeitos da mora no cumprimento dos contratos de seguro, bem como as despesas de salvamento e as efetuadas em virtude da regulação e liquidação dos sinistros” (artigo 68) e, por fim, estabeleceria um direito de preferência absoluto para os credores segurados nos cenários de direção fiscal, intervenção ou liquidação (artigo 69).

Em 30/08/2023, o relator para o PL no Senado, senador Jader Barbalho, emitiu um parecer crítico à versão original, cuja conclusão propôs um substitutivo àquele texto. Especificamente quanto ao contrato de resseguro, a posição de S. Excelência foi categórica pela exclusão dos artigos 64 a 69, além de outras normas que tocavam no resseguro, pelas seguintes razões:

“O atual PLC nº 29, de 2017, posicionaria o Brasil décadas atrás de outros países de economia relevante e atrás de sua própria situação hodierna, considerando o estágio atual da legislação, que, por sinal, já estabelece diferenciação entre os seguros massificados e de grandes riscos.
[…]
Se o PLC nº 29, de 2017, fosse aprovado em sua forma atual, existiria o risco de evasão de resseguradoras do mercado nacional, pois é nítido o choque que existe entre o Projeto e os avanços trazidos pela Lei Complementar nº 126, de 2007, que trata das operações de resseguro.
Hoje, no Brasil, nenhuma grande obra sai do papel sem apoio dos resseguradores. Os principais resseguradores do mundo estão presentes no Brasil, gerando capacidade suficiente para atender à demanda de mercado. O País opera com treze resseguradores locais, 33 resseguradores admitidos (com escritório de representação no Brasil) e 73 resseguradores eventuais (empresas globais).
Portanto, para evitar o retrocesso que o Brasil poderia sofrer, propomos a supressão total dos arts. 64 ao 69, bem como dos demais artigos, constantes de outros capítulos, que se referem ao resseguro — a saber, artigos 2º, 3º, 63, 78, 124, alínea ‘d’, e 127, parágrafo único) —, ficando assim o PLC como deveria ter sido desde sua original concepção, restrito ao contrato de seguro privado.”

Conforme brevemente ressaltado no início desta coluna, a relação paritária entre empresas hipersuficientes tem consequências práticas importantes no que toca à feitura de seus contratos. Como negócio jurídico secular, densamente caracterizado por usos e costumes internacionais há muito consagrados, não convém ao legislador interferir na autonomia privada dos contratantes de resseguro.

Em 3/10/2023, menos de dois meses depois da referida versão do senador Jader Barbalho, a imprensa divulgou o que corresponderia a um acordo firmado entre o Ministério da Fazenda, representado pelo ministro Fernando Haddad, e a CNSeg, do que teria resultado um novo texto, propondo-se a substituir a versão primitiva do PLC 29/2017.

Especificamente para fins de resseguro, este novo texto corresponde, em termos práticos, à reprodução da versão original do PLC 29/2017, com um total de 12 dispositivos, além de diversos parágrafos, a representar uma legislação bastante detalhista para o negócio em questão. Agora estabelecidos nos artigos 59 a 64, além de outros dispositivos esparsos, as únicas alterações observadas no novo texto referem-se ao prazo à contratação de resseguro no inédito regime de aceitação tácita: no PLC 29/17, o prazo era de dez dias — artigo 64, p. único; a nova versão, no artigo 59, p. único, estabelece o prazo de 20 dias.

Com relação ao escopo (conteúdo) do contrato de resseguro, o artigo 68 do PLC 29/17 estabelecia que: “o resseguro abrangerá a totalidade do interesse ressegurado, incluído o interesse da seguradora relacionado à recuperação dos efeitos da mora no cumprimento dos contratos de seguro, bem como as despesas de salvamento e as efetuadas em virtude da regulação e liquidação dos sinistros”. Agora, o artigo 63 principia com a ressalva: “salvo disposição em contrário”, ratificando todo o mais.

Objetivamente, o novo texto coincide com aquele previsto no PLC 29/2017, e, desta maneira, implica em severa interferência na autonomia privada dos contratantes de resseguro. Para que a crítica construtiva aqui endereçada não pareça carente de fundamentação, convém analisar como o contrato de resseguro é tratado por leis de seguros em alguns ordenamentos jurídicos estrangeiros.

Na Espanha, por exemplo, a Lei nº. 50/1980, trata do resseguro em apenas três artigos. O artigo 77. estabelece o conceito; o artigo 78 define a impossibilidade de ação do segurado contra o ressegurador e o artigo 79 preconiza a autonomia das partes quanto ao regramento a ser aplicado, o que remete à aplicação não vinculante do disposto no artigo 2º da referida lei, assim, estabelecendo tratamento distinto para seguros massificados e de grandes riscos.

Em Portugal, o Decreto Lei nº. 72/2008 cuida do resseguro em quatro artigos. O artigo 72 traz o seu conceito; o artigo 73 refere ao regime subsidiário; o artigo 74 trata da forma e o artigo 75 dos efeitos para terceiros.

Na Argentina, o diploma de regência é a Lei 17.418/1967 que, para o resseguro, apresenta quatro artigos. No artigo 159 vê-se o conceito; no artigo 160, a vedação à ação do segurado contra ressegurador e preferência dos segurados em caso de liquidação da seguradora; no artigo 161, ainda a tratar da liquidação, a possibilidade de compensação de créditos e débitos no âmbito do resseguro e, no artigo 162, a autonomia privada dos contratantes.

No Chile, a Lei 20.667/2013 regulamenta o resseguro em quatro artigos. O artigo 584 o conceitua, bem como refere à importância dos usos e costumes internacionais; o artigo 585 preconiza a autonomia dos contratos de seguro e resseguro; o artigo 586. prevê a impossibilidade de ação do segurado contra o ressegurador, salvo pacto em contrário.

Já no Peru, a Lei 29.946/2012 cuida do resseguro em dois artigos. O artigo 138 o conceitua, ao passo que o artigo 139 trata da autonomia dos contratos de seguro e resseguro.

Como se observa em diversos ordenamentos jurídicos na Europa e na América Latina, todos de matriz continental, exatamente como o ordenamento jurídico brasileiro, o contrato de resseguro foi objeto de tratamento sucinto por parte de seus legisladores. Ora, quanto mais empresarial a relação entre os contratantes, menor deverá ser o nível de interferência do Estado.

Com esse arquétipo legal em mente, repita-se, sucinto, passa-se a um breve exame daquilo que se vê no novo texto levado ao conhecimento público em 03/10/23. O capítulo XI tem início com o artigo 59, cujo caput conceitua o resseguro, reservando-se ao parágrafo único o já citado regime de formação do contrato mediante aceitação tácita pelo ressegurador, agora no prazo de 20 dias.

“Artigo 59. Pelo contrato de resseguro, a resseguradora, mediante o pagamento do prêmio equivalente, garante o interesse da seguradora contra os riscos próprios de sua atividade, decorrentes da celebração e execução de contratos de seguro.
Parágrafo único. O contrato de resseguro é funcional para o exercício da atividade contratual da seguradora e será formado pelo silêncio do ressegurador no prazo de vinte dias, contado da recepção da proposta.” 

Na versão original do PL 29/2017, o artigo 64 trouxe o prazo de dez dias à formação do contrato neste regime de aceitação tácita, o que foi objeto de severas críticas por parte do mercado ressegurador. Ora, a considerar riscos complexos e vultosos, de difícil avaliação, seria ilógico submeter o ressegurador a prazo tão exíguo à análise e, conforme fosse, subscrição do risco respectivo.

Em termos práticos, a verdade é que na grande maioria das vezes dito exame não se conclui nem em dez dias, tampouco em 20 dias, como dispõe esta nova versão negociada. Mundo afora, não se vê dispositivo legal como este, não cabendo ao legislador interferir na autonomia privada seja de seguradoras, seja de resseguradores, para fins de formação de seus contratos [1].

Como efeito colateral dessa inovação brasileira, ao invés de fomentar a celebração de novos contratos de resseguro, o dispositivo causará justamente o contrário. Ora, se no silêncio do ressegurador os contratos serão considerados concluídos, então, de antemão, eles consignarão em seus escritos a recusa antecipada, relegando-se a contratação para momento posterior, se o caso.

Seria mesmo do interesse das seguradoras a implementação desse regime de aceitação tácita do resseguro? Na arena dos seguros para grandes riscos, vale sublinhar que as próprias seguradoras também sentem as dificuldades para fins de exame e posterior subscrição dos riscos, muitas vezes carente de documentação hábil. Se há dificuldade para subscrever seguros de grandes riscos, é intuitivo que o mesmo se passa na subscrição do resseguro.

E quanto aos segurados, sobretudo nos grandes riscos, o escasseamento de resseguro gerará enormes dificuldades à emissão de suas apólices. Como se disse anteriormente, não há mercado de seguro próspero sem resseguro. Quanto mais entraves forem criados aos resseguradores, menor será a oferta e, consequentemente, mais rígido e caro será o mercado.

Continuando, o artigo 60 reproduz regra consagrada nos contratos de resseguro, qual seja, a inexistência de relação jurídica entre segurado e resseguradora. Por conseguinte, não deverá haver responsabilização do ressegurador perante o segurado, o beneficiário do segurado ou o prejudicado. É, justamente, o que se observa no caput:

“Artigo 60. A resseguradora, salvo disposição em contrário, e sem prejuízo do §2º do artigo 61, não responde, com fundamento no negócio de resseguro, perante o segurado, o beneficiário do seguro ou o prejudicado.
Parágrafo único. É válido o pagamento feito diretamente pelo ressegurador ao segurado quando a seguradora se encontrar insolvente.”

Já o parágrafo único excepciona a regra geral, dispondo que em caso de insolvência da seguradora, o pagamento feito diretamente pelo ressegurador ao segurado será considerado válido. Neste particular, é importante sublinhar que este mesmo tema é objeto da Lei Complementar nº. 126/2007, diploma legal que flexibilizou o monopólio do resseguro no Brasil que se encontrava a cargo do IRB por mais de 70 anos.

Enquanto o parágrafo único do artigo 60 permite o pagamento direto pelo ressegurador ao segurado em caso de insolvência da seguradora, os artigos 13 e 14 da Lei Complementar nº 126/2007 são bem mais exaustivos. O artigo 13 dispõe que a responsabilidade do ressegurador subsiste perante a massa liquidanda, em caso de liquidação da cedente, e o artigo 14, especificamente quanto ao referido status de insolvência, define, para além dela, a decretação de liquidação ou de falência. A seguir, o mesmo dispositivo assinala que o pagamento direto pelo ressegurador ao segurado será possível 1) quando o contrato de resseguro for considerado facultativo e 2) nos demais casos, quando houver cláusula de pagamento direto.

Nota-se assim, a uma só vez, que o PLC (Lei Ordinária, se aprovado) terá adentrado em matéria tratada por Lei Complementar e, além disso, causará séria confusão ao seu intérprete na medida em que não define no que consiste a insolvência. Uma empresa que tenha dívidas será considerada insolvente? Ou, como disposto na Lei Complementar nº 126/2007, haverá necessidade de que seja decretado o regime liquidação ou de falência?

Seja como for, o tratamento já empregado pela Lei Complementar 126/2007 já era suficiente ao tratamento da matéria. O PLC não deveria ter tocado nesse tema.

O PLC prossegue com o artigo 61, agora criando obrigações de natureza processual às seguradoras:

“Artigo 61. Demandada para revisão ou cumprimento do contrato de seguro que motivou a contratação de resseguro facultativo, a seguradora, no prazo da contestação, deverá promover a notificação judicial ou extrajudicial da resseguradora, comunicando-lhe o ajuizamento da ação, salvo disposição contratual em contrário.
§1º A resseguradora poderá intervir na causa como assistente simples.
§2º A seguradora não poderá opor ao segurado, ao beneficiário ou ao terceiro o descumprimento de obrigações por parte de sua resseguradora.”

A considerar o disposto no caput do art. 60, que preconiza a inexistência de relação jurídica entre segurado e resseguradora, não há razão para que o artigo 61 crie esta obrigação processual à seguradora que, pelos riscos assumidos em contrato de seguro, poderá responder perante o segurado.

Nos termos previstos no contrato de resseguro, caberá ou não à seguradora, a depender dos termos convencionados com o seu ressegurador, chamá-lo ou não à lide, para que intervenha. É usual nos contratos de resseguro a adoção de cláusulas de controle ou cooperação para fins de regulação de sinistros (claims control/cooperation). Não cabe ao legislador interferir nesse particular. Trata-se de mais uma novidade brasileira.

O artigo 62 cria obrigações de gestão à seguradora, dispondo que verbas adiantadas pelos resseguradores deverão ser imediatamente utilizadas para fins de pagamento de indenização ou adiantamento de capital segurado.

“Artigo 62. As prestações de resseguro adiantadas à seguradora para o fim de provê-la financeiramente para cumprir o contrato de seguro deverão ser imediatamente utilizadas para adiantamento ou pagamento da indenização ou capital ao segurado, ao beneficiário ou ao prejudicado.”

Se, eventualmente, uma seguradora que tiver recebido somas do ressegurador, não as pagar ao segurado, é lógico que caberá ao segurado tomar as medidas administrativas e legais aplicáveis. A operação do fluxo de caixa de uma seguradora é medida administrativa-financeira que lhe diz respeito.

A norma ignora a realidade prática, por exemplo, dos contratos de resseguro automáticos, nos quais, periodicamente, são feitos os acertos/compensações de contas. Ora, se a seguradora já estiver adiantando valores ao segurado de seu fluxo de caixa, os pagamentos pelo ressegurador servirão justamente para reequilibrar essas contas, e não o contrário.

Outra vez, mais uma novidade brasileira, a revelar nova intromissão na autonomia dos contratantes.

A seguir, o artigo 63 refere ao conteúdo do contrato de resseguro, isto é, o escopo daquilo que se deve compreender por interesse ressegurado e, nesse sentido, vai bem longe. Segundo os termos postos nessa norma, o interesse ressegurado deverá incluir “interesse da seguradora relacionado à recuperação dos efeitos da mora no cumprimento dos contratos de seguro, bem como as despesas de salvamento e as efetuadas em virtude da regulação e liquidação dos sinistros”.

Reitera-se que face o disposto no artigo 68 da versão original do PLC, a única alteração foi a inclusão da locução “salvo disposição em contrário” no início da oração.

“Artigo 63. Salvo disposição em contrário, o resseguro abrangerá a totalidade do interesse ressegurado, incluído o interesse da seguradora relacionado à recuperação dos efeitos da mora no cumprimento dos contratos de seguro, bem como as despesas de salvamento e as efetuadas em virtude da regulação e liquidação dos sinistros.”

A mora da seguradora perante o segurado pode, perfeitamente, decorrer de circunstâncias alheias à sua vontade, o que não deverá causar quaisquer restrições ao exercício da recuperação perante o ressegurador. Mas, dita impontualidade poderá também decorrer de conduta da própria cedente que, e.g., tiver contratado maus profissionais para fins de regulação do sinistro, retardado o pagamento/antecipação de valores ao segurado etc.

Os efeitos da mora da seguradora para fins de recuperação perante o ressegurador deverão ser examinados casuisticamente, não comportando solução estanque. Como se viu, haverá hipóteses para recuperar todos os valores no âmbito do resseguro, e outras nas quais isto não será juridicamente viável. A temática tratada por este dispositivo remete aos consagrados princípios follow the fortunes e follow the settlements, objeto de estudos aprofundados pela doutrina.

A inclusão da locução inicial — “salvo disposição em contrário” —, ausente na versão original do PLC 29/2017, parece ter tido a intenção de resolver esse problema, no entanto, melhor seria se esta norma não fosse positivada. Não há, tecnicamente, qualquer razão para incluí-la no texto da lei. Trata-se de tema contratual a ser regulado apenas pelas partes.

Finalizando o capítulo, o artigo 64 dessa nova versão do PL cuida do concurso de credores no âmbito de direção fiscal, intervenção ou liquidação de seguradoras. O texto é idêntico ao anterior, previsto no artigo 69 do PLC 29/2017.

“Artigo 64. Salvo o disposto no parágrafo único do artigo 14 da Lei Complementar nº 126, de 15 de janeiro de 2007, os créditos do segurado, do beneficiário e do prejudicado têm preferência absoluta perante quaisquer outros créditos em relação aos montantes devidos pela resseguradora à seguradora, caso esta se encontre sob direção fiscal, intervenção ou liquidação.”

O concurso de credores no ambiente de direção fiscal, intervenção ou liquidação de seguradoras já encontrava tratamento no artigo 100 do Decreto-Lei nº 73/1966:

“Artigo 100. Dentro de 90 dias da cassação para funcionamento, a Susep levantará o balanço do ativo e do passivo da Sociedade Seguradora liquidanda e organizará:
a) o arrolamento pormenorizado dos bens do ativo, com as respectivas avaliações, especificando os garantidores das reservas técnicas ou do capital;
b) a lista dos credores por dívida de indenização de sinistro, capital garantidor de reservas técnicas ou restituição de prêmios, com a indicação das respectivas importâncias;
c) a relação dos créditos da Fazenda Pública e da Previdência Social;
d) a relação dos demais credores, com indicação das importâncias e procedência dos créditos, bem como sua classificação, de acordo com a legislação de falências.”

O disposto nas letras b), c) e d) já revelava a ordem de preferência adotada pelo legislador do Decreto-Lei nº. 73/1966, que foi recepcionado com status de Lei Complementar pela Constituição da República de 1988. Nesses termos, é certo que a Lei Ordinária não pode tratar de matéria enfrentada por Lei Complementar.

Demais disso, se a Lei Ordinária realmente deseja tratar de concurso de credores, é preciso avaliar a sua compatibilidade com a Lei nº. 11.10/2005, que, justamente, trata da recuperação extrajudicial, recuperação judicial e falência dos empresários e sociedades empresárias.

Ainda a respeito da diferentes competências exercidas por leis ordinárias e complementares, chama a atenção o disposto no artigo 132 do novo texto para o Projeto de Lei, na exata medida em que determina a revogação de diversos artigos do Decreto-Lei nº 73/1966:

“Artigo 132. Ficam revogados o inciso II do §1º do artigo 206, os artigos 757 a 802 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e os artigos 9º a 14 do Decreto-Lei 73, de 21 de novembro de 1966.”

O PL 29/2017 apenas propunha a revogação de dispositivos do Código Civil: “Artigo 129. Ficam revogados o inciso II do §1º do artigo 206 e os artigos 757 a 802 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)”.

Concluindo, revela-se claro que este novo texto do PL, ao menos no que toca ao resseguro, requer um debate mais profundo.

O Brasil, de fato, é um protagonista nos mercados de seguros da América Latina e esse papel não pode ser prejudicado pela interferência do legislador na autonomia privada dos contratantes. Nessa arena ocupada por grandes players, todos dotados de plenas capacidades técnica-econômica-jurídica, quanto menos interferência, melhor.

Consoante anotado pelo próprio relator para o PLC no Senado, há risco real de que esse novo texto, se aprovado, ocasionará a saída de diversos resseguradores do Brasil, considerando que o nosso ambiente legal tornar-se-á sensivelmente mais rígido e burocrático do que, por exemplo, o dos nossos vizinhos.

Não é hora de reinventar a roda nos contratos de resseguro no Brasil.

 


[1] Para estabelecer aqui um paralelo com o regime de contratação do seguro, importante observar os regimes de proposta apresentada pela seguradora — artigo 43 — e de proposta apresentada pelo segurado — artigo 50. Enquanto a proposta formulada pela seguradora requer aceitação expressa do segurado — artigo 43, §2º, a aceitação da proposta feita pela seguradora somente se dará pela “manifestação expressa de vontade ou ato inequívoco do destinatário”. A proposta do segurado gera o aperfeiçoamento do contrato pela seguradora com aceitação tácita — artigo 50, caput“Artigo 50. Recebida a proposta, a seguradora terá o prazo máximo de 25 para cientificar sua recusa ao proponente, ao final do qual será considerada aceita”, regras que valem tanto para seguros massificados quanto para grandes riscos.

Publicado em Conjur

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