O PLC 29/2017 na contramão do sistema regulatório

19/05/2023

Temática deveria ser exaustivamente discutida por todos os participantes do mercado de seguros e resseguros

No início deste ano, com a mudança no governo federal, foi retomado um projeto que há muito agita o mercado de seguros: o Projeto de Lei da Câmara 29, de 2017 (PLC 29/2017). De autoria do então deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), o projeto foi elaborado em 2004 e, após diversas mudanças, assumiu aquela que seria considerada a sua versão final em 2017, agora em via de ser analisada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado pelo relator, senador Jader Barbalho (MDB-PA).

Dentre os inúmeros pontos controvertidos do PLC 29/2017, um deles diz respeito à necessidade de que os contratos de seguros, bem como as notas técnicas, sejam aprovados previamente pela Superintendência de Seguros Privados (Susep). Veja-se:

“Art. 7º Só podem pactuar contratos de seguros sociedades que se encontrem devidamente autorizadas na forma da lei e que tenham elaborado e aprovado as condições contratuais e as respectivas notas técnicas e atuariais perante o órgão supervisor e fiscalizador de seguros”.[1] (Destacou-se)

A previsão não passou despercebida aos olhos do mercado, que se manifestou indicando que a exigência configuraria um retrocesso.[2] Em resposta, o Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS) emitiu nota defendendo o PLC 29/2017  e consignando não se tratar o trecho do art. 7º de aprovação prévia, mas sim de registro prévio.[3] Veja-se:

“Os defensores desse ultraliberalismo, que vem prejudicando as empresas e as pessoas seguradas no Brasil, informam falsamente que o PLC 29/2017 tem regra exigindo a autorização estatal prévia para as apólices de seguro. Isso é NOTÍCIA FALSA, entre as várias que serão respondidas em breve.[…]Essa regra não é qualquer inovação do PLC 29/2017, e foi mantida na última revisão com anuência de entidades representativas do setor, como CNSeg e FENACOR. A crítica é dolosamente construída como se tratasse de um retrocesso arbitrário, não da forma como as coisas acontecem no mercado de seguros.Nos seguros em geral, é obrigatório o registro PRÉVIO da apólice à celebração do contrato (art. 9º, Circular SUSEP 621/2021 – danos –; art. 2º, Circular SUSEP  667/2022 – pessoas)”.

Diante da celeuma que se construiu, nos parece interessante acrescentar mais um ponto de vista, com o objetivo de enriquecer a discussão e gerar, ao final, a melhor versão da lei geral do contrato de seguros possível.

Observando a questão com a lupa regulatória, ou seja, tendo por base as normas e procedimentos utilizados pela Susep no registro e na aprovação de produtos, nos parece que a necessidade de aprovação prévia, de fato, representa medida anacrônica, já que o conceito de aprovação, para a autarquia, não se confunde com o conceito de registro. Nesse sentido, vejamos alguns artigos da Circular Susep 657/2022, que dispõe sobre o registro de produtos na Susep:

“Art. 3º Os documentos relativos aos produtos de que trata o art. 1º serão encaminhados à Susep, exclusivamente, por meio do REP.[…]

  • 2º O registro de novo produto por meio do REP equivale à abertura de processo administrativo eletrônico junto à Susep.”

“Art. 5º As condições contratuais ou o regulamento do produto, encaminhados na forma do art. 3º, estarão disponíveis para consulta pública no portal da Susep na internet, de acordo com a forma e os prazos previstos no manual.Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica aos produtos que necessitam de aprovação prévia pela Susep, cujas condições contratuais ou regulamento somente serão disponibilizados após a aprovação do produto.” (Destacou-se)

Como se nota, o normativo é claro ao diferenciar produtos que apenas devem ser registrados, recebendo o número que permite sua comercialização antes mesmo de ser concluída sua análise formal, daqueles que precisam ser aprovados previamente e cujo número de produto é emitido apenas após a análise e autorização da autarquia. Na mesma linha, vejamos o que diz o “Manual de Utilização do REP”:[4]
“De acordo com normas legais e regulamentares vigentes, a comercialização dos seguintes produtos está condicionada à aprovação prévia por parte da Susep:

  • Títulos de capitalização;
  • Planos de previdência complementar aberta;
  • Planos de previdência equiparados a planos de microsseguro, nos termos da Resolução CNSP 244/2011;
  • Planos de seguros de pessoas que contenham cobertura por sobrevivência;
  • Planos de seguros de danos do grupo 11 (rurais) para os quais haja subvenção ao prêmio.
Para os demais, a comercialização está liberada a partir da obtenção do respectivo número do processo.” (Destacou-se)

A ideia de uma aprovação prévia estatal a todo e qualquer produto de seguro é tão incômoda à Susep que a autarquia, desde muito antes, já exigia que conste na apólice e nas condições contratuais informação de que “o registro do produto é automático e não representa aprovação ou recomendação por parte da Susep” (art. 5º, inc. II, da Circular Susep 621/2021). Ao elaborar o trecho, a autarquia indicou que sua intenção é:

“[…] mudar o conceito equivocado perante o mercado segurador e a sociedade de que a Susep faz a aprovação dos produtos de seguros de danos, de forma que a flexibilização e maior liberdade para elaboração dos produtos seja também acompanhada de maior responsabilidade por parte das seguradoras pelos produtos que desenvolve e comercializa.”[5] (Destacou-se)

O que não está expresso na norma – mas é o objetivo central da Susep – é que o simples registro do contrato não atrai a responsabilidade da autarquia caso suas cláusulas contenham condutas abusivas ou gerem danos ao consumidor, que poderá recorrer ao Poder Judiciário ou à própria Susep para, conforme for, denunciar esses abusos.

Assim, se mantido na forma que está, o caput do art. 7º do projeto poderá prejudicar diretamente os consumidores e os segurados em geral, já que a autorização prévia para a venda de um seguro inevitavelmente atrairá de uma aparente legalidade ao contrato, fortalecendo o argumento de ausência de abuso ou nulidade.

Para além dessa consequência, outras de cunho financeiro e mercadológico também indicam a necessidade de revisão deste ponto do projeto. Isso porque, ao exigir expressamente aprovação prévia, o PLC 29/2017 acabará gerando um injustificável aumento do custo regulatório, onerando o Estado e concentrando nesta imposição recursos que poderiam ser destinados a outros fins. Representa, assim, um mau uso das finanças públicas.

Além disso, o dispositivo revela-se refratário à inovação, aumentando o que se chama de “Custo Brasil” ao impor aos participantes do mercado, principalmente às insurtechs, a aprovação prévia de suas condições e impedindo o mercado brasileiro de acompanhar o internacional. Neste compasso, perdem-se boas ideias, afastam-se novos segurados e o mercado perde oxigenação, ficando restrito aos participantes já conhecidos e estabelecidos.

Com estas considerações, esperamos ter apresentado mais uma visão relevante para o debate sobre a necessidade de aprovação prévia dos contratos de seguros prevista no PLC 29/2017 e registramos, ainda que pesarosos, que se o tema não for exaustivamente discutido por todos os participantes do mercado de seguros e resseguros, “o Brasil tem um passado enorme pela frente”.[6]
[2] “Cinco entidades do mercado divulgam nota com críticas ao PLC 29/17”. Disponível em https://sousegura.org.br/noticia/cinco-entidades-do-mercado-divulgam-nota-com-criticas-ao-plc-2917. Acesso em 26 abr. 2023.

[3] “ALERTA SOBRE AS CRÍTICAS RECENTES AO PLC 29/2017”. Disponível em https://www.ibds.com.br/wp-content/uploads/2023/04/ALERTA-SOBRE-AS-CRITICAS-RECENTES-AO-PLC-292017.pdf. Acesso em 26 abr. 2023.

[5] O trecho transcrito foi retirado da “Exposição de Motivos” do processo que elaborou a Circular SUSEP 621, de 2021. Trata-se do Processo SUSEP nº 15414.608996/2018-49.

[6] A frase é atribuída ao escritor e jornalista Millôr Fernandes.

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