O que fazer quando o plano de saúde cancela o contrato de modo unilateral

24/04/2024

É possível o plano de saúde rescindir o contrato unilateralmente, mesmo que você tenha pago as mensalidades por quase 30 anos? Nesta semana, o caso de Stella Tarantino Lima, de 89 anos, que foi avisada que teria o contrato de seu plano de saúde rescindido pela própria operadora em menos de um mês, ganhou as redes sociais. Afinal, isso pode acontecer?

Juristas explicaram ao Valor que o cancelamento de forma unilateral é permitido por lei mesmo quando não há dívidas, dependendo do contrato. No entanto, a rescisão precisa seguir regras definidas pela ANS.

No caso de Stella, uma das filhas relatou o caso em uma publicação no LinkedIn que viralizou. Em entrevista ao Valor, a outra filha de Stella, Marília Tarantino, disse que se deparou com o aviso de rescisão do contrato do convênio somente ao acessar o “Espaço do Cliente” no site do plano de saúde ao fazer uma consulta para pegar uma relação de médicos nefrologistas.

Captura de tela do aviso de rescisão — Foto: Reprodução
Captura de tela do aviso de rescisão — Foto: Reprodução

A Unimed Nacional, plano de saúde da idosa, informou que o problema aconteceu por uma “uma falha de comunicação em relação ao plano coletivo por adesão” e que ela não vai perder o plano. Já a Qualicorp, administradora de benefícios responsável pela venda de produtos de saúde, também informou que o plano não será cancelado. Ambas as empresas dizem que entraram em contato com a família da idosa para prestar esclarecimentos e tirar dúvidas.

Mônica Tarantino, filha de Stella que fez a postagem na rede social, confirmou ao Valor o recebimento do contato pela administradora. “O cancelamento da exclusão da minha mãe resolve temporariamente uma questão individual que ganhou muita visibilidade e choca ainda mais pelos 90 anos dela”, disse. “Mas não muda um cenário que permite às operadoras excluírem unilateralmente os usuários dos planos por adesão”.

Procurada pelo Valor, a Agência Nacional de Saúde (ANS), que regula as operadoras de plano de saúde no país, informou que não pode comentar casos específicos de beneficiários, mas que atua ativamente na defesa dos direitos de todos os beneficiários da saúde suplementar, mantendo e atualizando normativos que visam a protegê-los.

O que fazer se meu contrato foi cancelado unilateralmente?

De acordo com a ANS, foram recebidas, de 2019 a 2024, 1.151.104 reclamações a respeito de planos de saúde. Dessas, 69.826 reclamações foram em relação a problemas com cancelamento unilateral de planos de saúde. Somente de janeiro a março deste ano, já são 4.873 queixas sobre esse assunto.

Reclamações sobre cancelamento/rescisão unilateral no Brasil na ANS

Ano Quantidade
2019 10.777
2020 11.651
2021 12.293
2022 12.887
2023 17.345
2024 (até março) 4.873
Total 69.826

Fonte: SIF Consulta – Extração: abril/2024 deslize para ver o conteúdo

Segundo os dados consolidados obtidos junto à ANS, o número de reclamações sobre a rescisão de contratos de convênios aumentou 60% entre 2019 e 2023.

Henderson Fürst, sócio do escritório CGV Advogados e professor de Direito da PUC-Campinas, explica que a rescisão pode acontecer, mas que é preciso haver uma notificação formalizada avisando aos beneficiários afetados. “É regra da ANS, e mesmo quando não incide ANS, como é no caso de contratos antigos, existe o Código de Defesa do Consumidor que dá direito à informação ao paciente e consumidor”, explica.

“[Para] os planos que são anteriores a 1998, quando veio a lei [Lei do Plano de Saúde, nº 9.656/98], ela estabeleceu que consumidor/paciente poderia requerer a migração para a nova legislação, ou seja, uma adaptação do plano que tinha para a nova lei; aderir ao regime de transição ou ficar como está. Mesmo assim, se aplica o Código de Defesa do Consumidor. Além do contrato que foi firmado na época, o CDC é bastante protetivo também”, pontua Fürst.

Quando houver rescisão indevida, os pacientes podem procurar tanto o site da ANS para registrar uma reclamação, como o Judiciário. “Há casos urgentes, que envolvem tratamento em andamento, e aí o mais adequado é a via judicial”, diz o advogado.

Segundo Alexandra Moreschi, presidente da Comissão de Direito à Saúde da OAB-DF, o cancelamento de planos pode acontecer a partir das seguintes motivações:

  • Comum acordo, quando ambas partes concordam;
  • Vontade da operadora, a depender de cada contrato;
  • Fraude;
  • Cláusula contratual;
  • Inadimplência (superior a 60 dias).

Contratos coletivo por adesão

Nesses contratos coletivos por adesão, Moreschi explica que o cancelamento pode ser feito de forma unilateral, tanto pela operadora quanto pelo beneficiário, desde que comunicado com o prazo de 60 dias.

Na modalidade de contratos coletivo por adesão, um grupo de pessoas ou associação assinam um mesmo contrato, como um consórcio. Isso faz com que os beneficiários deste modelo estejam vinculados ao grupo.

A presidente da comissão ressalta que é importante que os beneficiários fiquem atentos quando fecharem os contratos e que tipo de contrato estão fechando.

“Isso acontece com muita frequência: as pessoas acham que estão contratando um plano individual e, na verdade, estão contratando um coletivo por adesão. Nos planos individuais não há essa regra, não pode ser cancelado de forma unilateral. Nos coletivos por adesão, sim”, explica a especialista.

Rescisão deve seguir regras

Além disso, os planos, ao rescindir unilateralmente de forma imotivada, devem oportunizar a migração de usuários, incluindo a portabilidade da carência, ou seja, oferecendo os documentos necessários para que o beneficiário possa aderir a um novo plano seja na mesma ou em outra operadora.

A ANS explicou que as condições para a rescisão do plano de saúde devem estar previstas no contrato assinado com a operadora e que há diferenças para o cancelamento de plano entre as formas de contratação. Além disso, a ANS ressaltou que tem regras claras sobre o cancelamento de planos e salienta que a operadora que rescindir o contrato de beneficiários, seja de plano coletivo ou individual, em desacordo com a legislação do setor pode ser multada em valores de até R$ 80 mil.

A agência lembra ainda que “nenhum beneficiário pode ser impedido de adquirir plano de saúde em função da sua condição de saúde ou idade e também não pode haver exclusão de clientes pelas operadoras por esses mesmos motivos”.

Publicado em Valor

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