Seguros Contemporâneos | Tema 1.309 do STF e a tributação de aplicações financeiras das reservas técnicas de seguradoras

27/06/2025

Foi noticiado o julgamento do agravo interposto pela Fazenda Pública no Recurso Extraordinário nº 1.479.774, pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em 21/2/2025, por meio do qual se questiona, à luz do artigo 195, I, “b”, da Constituição, a incidência do PIS e da Cofins sobre as receitas oriundas de aplicações financeiras das reservas técnicas de empresas seguradoras, tendo em conta a controvérsia sobre a natureza dessas receitas.

Como esperado, foi negado provimento ao recurso, por unanimidade, prevalecendo o voto do ministro relator, Luiz Fux.

Trata-se de mais um capítulo da tramitação do Tema nº 1.309, o qual foi afetado pela Suprema Corte em 7/8/2024, sendo certo que, no dia 5/11/2024, o ministro relator, Luiz Fux, atribuiu efeito suspensivo ao recurso extraordinário para determinar a suspensão da eficácia do acórdão lavrado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região e suspender a exigibilidade da contribuição ao PIS incidente exclusivamente sobre receitas oriundas das aplicações financeiras das reservas técnicas da seguradora litigante.

Contra a decisão monocrática, a União interpôs agravo interno, sob a alegação de ausência dos requisitos necessários para a antecipação de tutela deferida, quais sejam, probabilidade do direito e perigo da demora ou risco ao resultado útil do processo. Como dito acima, as alegações da agravante não foram acolhidas pelos ministros da 1ª Turma.

Como sabido, dentre todas as receitas auferidas pelas sociedades seguradoras, uma parte significativa delas refere-se às receitas financeiras. Tais receitas são oriundas tanto de aplicações financeiras compulsórias quanto dos ativos vinculados às reservas técnicas.

Convém ressaltar que a constituição e destinação das referidas reservas técnicas para as empresas de seguros decorre de imposição legal do artigo 84 do Decreto-Lei nº 73/66, ainda em vigor, segundo o qual “para garantia de todas as suas obrigações, a Sociedades Seguradoras constituirão reservas técnicas e provisões, de conformidade com os critérios fixados pelo CNSP, além das reservas e fundos determinados em leis especiais.

Ora, ao se ater à redação do citado dispositivo legal, resulta evidente que as reservas e rendimentos financeiros decorrentes das aplicações realizadas pelas seguradoras, por força de lei e do próprio órgão regulador, não podem ser considerados como faturamento e, consequentemente, como base de cálculo do PIS e da Cofins.

Tal discussão não deveria se confundir, necessariamente, com o conceito de faturamento debatido durante anos pelo Poder Judiciário, como ocorreu no julgamento do Recurso Extraordinário nº 346.950/MG, em que se discutiu, à luz do artigo 195, I, b, da Constituição, a constitucionalidade do § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, que ampliou a base de cálculo da Cofins, ao equiparar os conceitos de faturamento e receita bruta.

Ora, um dos requisitos do conceito jurídico de receita seria decorrer do exercício da atividade empresarial, ou seja, da aplicação do patrimônio do contribuinte, caso o ingresso de fato se incorpore de modo definitivo e real ao patrimônio da pessoa jurídica que o aufere.

Como citado, há obrigações para as seguradoras e resseguradoras no tocante à constituição de expressivas reservas técnicas, seja por força de lei e da própria regulação vigente. Daí se pode concluir que apenas parte dos prêmios recebidos deve ser classificado efetivamente como receita, não sendo por outra razão que a legislação em vigor do PIS e da Cofins elenca uma série de exclusões nas respectivas bases de cálculo [1].

Exemplificativamente, podemos citar que uma das exclusões se refere àquelas correspondentes ao cosseguro e resseguro cedidos. Outra se refere às indenizações correspondentes aos sinistros ocorridos, com as respectivas deduções.

Bem se vê que devem ser levadas em conta as peculiaridades da atividade seguradora para a definição correta e precisa do conceito e receita aplicável a tais empresas.

No caso das receitas financeiras decorrentes das aplicações financeiras das reservas técnicas, é do interesse da sociedade que estas se mantenham hígidas, sobretudo para a garantia da solvabilidade das seguradoras. Obviamente a aplicação de tais valores é incrementada.

Porém, o argumento sobre a diferenciação de receitas operacionais e não operacionais guarda alguma relação com o tema, pois obviamente as receitas financeiras teriam natureza distinta das receitas operacionais, como aquela constituída pelos prêmios cobrados dos segurados.

Segundo a lição de Washington de Barros Monteiro, os juros correspondem “ao rendimento do capital, os frutos produzidos pelo dinheiro” [2].

Assim sendo, é forçoso concluir que os juros e rendimentos oriundos das aplicações financeiras representam unicamente a remuneração do capital e não da atividade empresarial típica das sociedades seguradoras, que seria única e exclusivamente a atividade do seguro [3].

Ora, tais receitas financeiras sequer podem ser entendidas como receita bruta, haja vista que a compulsoriedade das aplicações não a caracteriza como atividade empresarial, mas sim como forma de garantir liquidez e até mesmo dar credibilidade à atividade que desempenham.

Vale lembrar que, dada sua natureza, estaria afastada incidência do PIS e da Cofins, pois o contrato de seguro não se confunde, em absoluto, com qualquer contrato de prestação de serviços.

Isso porque o contrato de seguro é típico e não contempla nem obrigação de dar – como no contrato de compra e venda de mercadorias – nem obrigação de fazer, como no contrato de prestação de serviços, mas sim obrigação de oferecer cobertura a riscos e, ainda assim, somente, se e quando ocorrido o sinistro, efetuar o pagamento da respectiva indenização ou eventualmente a devolução do capital segurado [4].

Receitas financeiras não têm natureza de faturamento

Não se deve esquecer da causa do contrato seguro, a qual, segundo a lição de Ilan Goldberg, “funcionalmente observada, encontra-se justamente na transferência do risco financeiro mediante o pagamento do prêmio (este, o sinalagma genético que identifica o contrato de seguro)” [5].

Nesse sentido, oportuno ressaltar a redação do artigo 109 do Código Tributário Nacional, segundo a qual “os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários”.

Da leitura do dispositivo ora transcrito depreende-se que não se pode confundir a natureza jurídica, conteúdo ou conceito de institutos como o prêmio decorrente do contrato de seguro e as receitas geradas decorrentes de suas aplicações financeiras. Receitas financeiras não têm natureza de faturamento e não podem, consequentemente, ser tratadas como tal para fins de tributação pelo PIS e pela Cofins.

As seguradoras não podem ser confundidas com sociedades que desenvolvem outras atividades empresariais, em especial pelo papel indispensável que exercem para o sistema econômico, e isso deve se refletir na correta classificação contábil e fiscal de suas receitas, guardadas as devidas peculiaridades.

 


[1] NOGUEIRA, Julia de Menezes. Tributação do mercado de seguros, resseguros e previdência complementar. São Paulo: Noeses, 2016.

[2] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

[3] PEIXOTO, Marcelo Magalhães; HERLIM, Alexandre. Tributação das SeguradorasQuestões pontuais. São Paulo: MP Editora, 2014.

[4] NOGUEIRA, Júlia de Menezes. Op. Cit.

[5] GOLDBERG, Ilan. O Contrato de Seguro D&O. São Paulo: RT, 2019.

Publicado em Conjur

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