MARGO BLACK: TRAJETÓRIA E LIDERANÇA FEMININA NO MERCADO DE SEGUROS

11/09/2023

A abertura do mercado de resseguros no Brasil, as projeções para o setor e a promoção da igualdade de gênero são tema da entrevista dada pela executiva britânica Margo Black à coluna Seguros Contemporâneos desta semana.

Com vasta experiência na área, Margo iniciou sua trajetória no final da década de 1970, em Londres, ao ingressar na H. Clarkson como corretora de resseguros. De lá para cá, chegou ao topo da carreira, tendo sido responsável por chefiar operações em gigantes do mundo dos seguros e resseguros como Allianz, Swiss Re Brasil e Willis.

Na conversa, a fundadora e primeira presidente da organização Sou Segura oferece também conselhos inspiradores para profissionais que almejam cargos de liderança nesse importante segmento da economia.

Confira o bate-papo:

Margo, você trabalha no setor de seguros há mais de quatro décadas e liderou as operações de alguns dos maiores seguradores e resseguradores mundiais. Pode compartilhar conosco como foi o início e o desenvolvimento da sua carreira?
Margo — Sim, estamos falando de muitos anos atrás! Comecei a minha trajetória profissional em 1977, mas trabalhar com o seguro não era o que eu queria fazer. Meu desejo original era ingressar no serviço diplomático britânico [eu cresci no México e Nicarágua e era bilíngue em espanhol e inglês].

Queria utilizar essas habilidades linguísticas para trabalhar com a América Latina. No entanto, quando percebi a remuneração modesta no serviço diplomático, soube que não seria uma opção para mim e comecei a ter entrevistas em diferentes setores. O trabalho mais interessante era com uma corretora de resseguro de médio porte em Londres que tinha um departamento latino-americano, e foi lá que iniciei a minha carreira.

O que mais te surpreende no mercado segurador brasileiro? E como foi a sua integração com o mercado?
Margo — Quando cheguei ao Brasil em janeiro de 2000, esperava-se a abertura do mercado ressegurador, mas isso não aconteceu – foi cancelado no último momento e demorou mais oito anos para ser aberto parcialmente, ou seja, com algumas restrições. O que mais me surpreendeu no mercado brasileiro foi a rapidez com que o mercado se adaptou à abertura e conseguiu começar a operar, mesmo que ainda existissem muitas coisas a serem feitas e definidas. Outra coisa que admiro muito é como os brasileiros querem aprender e são abertos a coisas novas e inovadoras. Quanto à minha integração, foi absolutamente perfeita! Desde o primeiro momento em que pisei em solo brasileiro, soube que estava em casa. Fui muito bem recebida e acolhida, e fiquei muito feliz por poder viver a abertura (mesmo que parcial) deste mercado importante. Não esqueçam que o mercado brasileiro foi um dos últimos grandes mercados do mundo que ainda tinha um monopólio.

Como você vê o futuro do setor de resseguros? Que necessidades acredita que surgirão nos próximos anos?
Margo — Desde que o mercado brasileiro abriu, o setor de resseguros se tornou uma área importante no setor segurador e cresceu significativamente a cada ano. Uma das vantagens que o Brasil tem é que não é um país com riscos naturais catastróficos, como terremotos, furacões e erupções vulcânicas, mas é um país com possibilidade de sinistros catastróficos. A importância do mercado brasileiro é comprovada pelo fato de que quase todas as principais seguradoras e resseguradoras do mundo estão representadas no Brasil. Apesar disso, o setor de resseguros ainda representa uma porcentagem muito baixa em comparação com outros países onde o resseguro é mais desenvolvido, o que significa que o potencial de desenvolvimento no Brasil é enorme.

A demanda por mais diversidade e inclusão nos conselhos de administração está em crescimento, uma vez que diferentes perspectivas enriquecem os debates e o desenvolvimento de estratégias. Como tem sido sua experiência como membro do conselho de administração da Austral?
Margo — A busca por mais diversidade e inclusão nos conselhos de administração não se limita ao Brasil, mas abrange o mundo todo. Existe uma pressão considerável em praticamente todas as empresas para aumentar o número de mulheres nos conselhos de administração e de executivos. Embora os números estejam melhorando gradualmente, ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar equidade com os homens.

Minha experiência com o Grupo Austral tem sido extremamente enriquecedora. Considerando que a empresa foi fundada há relativamente pouco tempo (mais de 10 anos), seu crescimento nesse período tem sido impressionante. Ela está em constante evolução e adaptação às mudanças do mercado.

Como surgiu o desejo de promover o empoderamento das mulheres que atuam no mercado de seguros?
Margo — O que hoje é a Sou Segura, começou no final dos anos 90, quando um pequeno grupo de mulheres no Rio de Janeiro se reunia para discutir questões relevantes para as mulheres no setor de seguros e ficaram conhecidas como “As Luluzinhas”. Esse grupo continuou ativo até 2018, quando decidimos que era hora de transformá-lo em uma associação mais estruturada e profissional. Fui convidada a ser a presidente da Associação, que começou como AMMS (Associação das Mulheres do Mercado de Seguros) e agora é a Sou Segura. Criamos um comitê executivo, elaboramos estatutos, abrimos uma conta bancária e definimos a missão e a visão da associação. Ela se tornou uma associação nacional.

Começamos a divulgar nossa existência e nosso propósito, e recebemos um apoio incrível de todo o mercado, incluindo seguradoras, resseguradoras, corretores de seguros e resseguros, escritórios de advocacia e prestadores de serviços para a indústria de seguros.

Como primeira Presidente da Sou Segura, poderia compartilhar conosco um projeto que considera ter se destacado na promoção da diminuição das disparidades de gênero na ocupação de cargos de liderança nas empresas?
Margo — Há muitas conquistas da Sou Segura nos últimos seis anos, mas talvez o resultado que mais me orgulha seja o fato de termos mais mulheres do que nunca em posições de liderança. O lançamento da AMMS/Sou Segura coincidiu com o despertar global para a necessidade de ter mais mulheres em cargos de liderança e de examinar os obstáculos existentes. No Brasil, o sucesso foi tão notável que hoje são poucas as empresas que não apoiam a Sou Segura, e o número de mulheres em posições de liderança aumentou em cerca de 20 a 25%. Além disso, auxiliamos na criação de associações semelhantes no México, Argentina e Colômbia. Recentemente, assisti ao lançamento da AIWA (African Insurance Women’s Association) durante a conferência da Organização Africana de Seguros (AIO) na Argélia.

Está sendo discutido atualmente no Brasil um projeto de lei (Projeto de Lei nº 2.925/2023) que tem como objetivo incrementar as ferramentas à disposição da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e dos investidores em geral para fins de responsabilizar e punir administradores de companhias que possam estar envolvidos em atos ilícitos, que venham a ocasionar danos para investidores ou para o mercado. Na sua visão o tratamento legal do tema deveria ser realmente aperfeiçoado no país?
Margo — Com certeza!  Assegurar que a indústria seguradora seja honesta, profissional e transparente é primordial.

Quais conselhos ou dicas você pode compartilhar com as profissionais que atuam no mercado de seguros e desejam alcançar cargos de liderança nas empresas?
Margo — Acredito que minhas experiências podem ajudar outras mulheres a terem coragem de perseguir seus sonhos, insistir no que desejam e, acima de tudo, ter a confiança de que podem fazer isso. Para elas, sempre digo: acreditem em si mesmas, não aceitem as barreiras que surgem no caminho e preparem-se muito bem. Também é importante ser uma profissional bem organizada, tratar as pessoas da maneira como gostariam de ser tratadas e nunca perder a humanidade. Manter o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal também é essencial – e um grande desafio. Para uma mulher ambiciosa, com grandes responsabilidades, é muito difícil não ser totalmente absorvida pelo trabalho, mas acredito que hoje existe uma maior conscientização sobre essa necessidade, tanto nas empresas quanto entre os funcionários.

Para finalizar, qual pergunta nunca lhe fizeram e que você gostaria de responder?
Margo — Já morei mais tempo no Brasil do que em qualquer outro país e, durante todo esse tempo, sempre trabalhei no setor de seguros. Ninguém me perguntou como gostaria de ser lembrada.

Então, gostaria que meu legado neste maravilhoso país fosse o de ter feito alguma diferença na vida profissional das mulheres deste mercado e de ter contribuído para avançar a causa da igualdade, inclusão e diversidade.

* Esta coluna é produzida pelos professores Ilan Goldberg e Thiago Junqueira, bem como por convidados


Publicado em ConJur.

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